Crítica | V de vingança

A de anarquia, T de terror

V for Vendetta
Direção de James McTeigue
2006 : Alemanha/EUA : 132 min
Com Natalie Portman (Evey),
Hugo Weaving (V),
Stephen Rhea (Finch) e
John Hurt (Sutler)

V de Vingança é praticamente um manual da ação política não convencional, se é que me entendem, aquela que se faz com explosivos e detonadores. V, o herói mascarado do filme tem a biografia trágica dos mártires que são postos pelo destino à frente de uma causa. Sua vida foi destruída por um regime político totalitário e agora ele vive no mundo subterrâneo onde há anos prepara meticulosamente seu plano para libertar a Inglaterra das trevas.

O plano

A Inglaterra do filme está mergulhada em uma ditadura comandada pelo sinistro chanceler Adam Sutler. O objetivo de V é salvar a Inglaterra da violência política e para isso, lança mão de altas doses de … violência.

V usa várias estratégias para executar seu plano de libertação nacional. Ele sabe que tiranos somente são removidos do poder com uma sequência de ações articuladas. Primeiro, ele chama a atenção do país com um ato de destruição simbólico e exemplar, que põe em evidência suas ideias e anuncia uma continuação apoteótica para o futuro.

Esse ato simbólico se vincula a um outro ocorrido no passado remoto do país, o Dia da Pólvora. Nesse dia, fracassou uma conspiração para explodir o parlamento inglês durante a visita do rei James I. Dessa forma se estabelece uma tradição de mártires incompreendidos.

As peças do jogo

Evey. Na sequência, o esforço de V se concentra em conquistar os corações e mentes da juventude, representada no filme pela jovem Evey. V salva a garota das mãos dos capangas do chanceler e, dessa forma, cria-se entre eles uma relação profunda de confiança e dívida. Ela tem um passado de perdas causadas pelo regime e, embora não seja uma militante antigoverno, tem o perfil exato para se tornar uma peça importante na estratégia de V. Mal sabe a garota do que V é capaz para transformá-la em um quadro de elite do seu exército revolucionário. Evey vai ser iniciada por métodos extremos na arte de destilar ódio profundo pelo regime totalitário do chanceler.

Finch. Outra peça na estratégia de V é o inspetor Finch, o astuto e incansável investigador designado pelo chanceler para caçar V. O inspetor é um homem justo e sua cabeça começa a fritar com as contradições de seu trabalho. O conflito de consciência do inspetor serve aos planos de V, que considera fundamental conquistar os justos para a boa causa, mesmo que eles estejam a serviço do inimigo.

Creedy. Para alcançar sua meta, V quer contar também com o auxílio dos canalhas úteis que rodeiam o chanceler. O representante desse grupo de hienas é o implacável Creedy, chefe da polícia política e responsável pela repressão do regime. Engenhosamente, V leva Creedy a pensar que está na hora de abandonar o navio antes que o chanceler o transforme em boi de piranha.

O gran finale

Os planos de V preveem um gran finale onde o símbolo máximo do poder inglês é destruído, o que será impossível sem a convocação das massas. O povo é o último elemento da trama e tem papel fundamental no apoteose final. Com toda essa articulação, dá para dizer que o filme é uma tese sobre os elementos essenciais de uma conspiração.

Apesar do rigor e da sua frieza de revolucionário, V é um cavalheiro. Ele se ocupa da boa música e dos bons livros, coleciona obras de arte (roubadas do governo), seu discurso é requintado e ele é exímio com as facas; um homem de múltiplas qualidades, enfim, não fosse anarquista, subversivo, terrorista, criminoso e mais aqueles adjetivos todos que reservamos a quem combate governos despóticos no mesmo nível de truculência com que é oprimido. V acredita em seus propósitos e os coloca acima de tudo. Ele chega a balançar em dado momento diante dos encantos da doce Evey, mas para V, não há nada mais nobre do que dar a vida pela causa.

Evey é uma moça com tendência para a transgressão das regras. Ela carrega cicatrizes do passado e foi criada em um reformatório. A moça é uma combinação de doçura e rancor, que fazem V enxergar nela alguém capaz de sucedê-lo na luta pela libertação da Inglaterra.

Tradição britânica de distopias

Os autores das ilhas britânicas seguem uma tradição de obras onde se inventa o futuro da sociedade. Vamos lembrar de Thomas Morus com seu livro Utopia, de Aldous Huxley com Admirável Mundo Novo e George Orwell com 1984. V de Vingança é uma distopia política inspirada na série de quadrinhos de mesmo nome publicada na Inglaterra na década de 1980.

Por que a Grã Bretanha gera obras focadas em futuros apocalípticos se por lá existe democracia sólida de longa data? Não vou arriscar palpite, porque o assunto é complexo, de qualquer forma, o estado totalitário retratado no filme lembra outras realidades políticas pelo mundo afora.

Reflexão

Quase ninguém duvida que a tirania deve ser combatida, o que torna V de Vingança uma obra polêmica são os métodos propostos. V de Vingança mostra a sua orientação já na sua assinatura. Basta virar de ponta cabeça o V riscado dentro de um círculo que está no cartaz do filme para lembrarmos do A de anarquia, que foi pintado em milhares de muros no século XX.

O filme foi lançado em 2006, alguns anos depois de as torres gêmeas do World Trade Center de Nova York irem ao chão em um ato terrorista que paralisou o mundo. Para quem gosta de pensar depois de assistir um filme, aqui vai um desafio: Quais são as diferenças e semelhanças entre os terroristas que atacaram em 11 de setembro de 2001 e o herói mascarado do filme? O terror de estado justifica o terror subversivo? O que é o terror?

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