poesia virtual

Proposta

  A Poesia e as mídias que a suportam

Podemos classificar as obras poéticas de vários modos, mas o que interessa aqui é o modo como a poesia se relaciona com as mídias que a veiculam. De fato, queremos mostrar que a poesia é condicionada pela sua mídia e com ela interage.

Uma observação breve do corpus poético nos mostra que ele é composto, na maior parte, por obras concebidas para a publicação em texto convencional, em papel, até há pouco ou em texto digital, mais recentemente. E observe-se que o texto digital não difere do texto em papel, pelo menos nos aspectos que nos interessam aqui. Outro fato relevante observável é a abstração da questão editorial na feitura dessas obras, ou seja, a editoração é um fato externo à obra.

Agora vamos observar outra parte do corpus, menor em volume, e mais variada em suas relações com a mídia. Na direção contrária da tendência geral, as obras deste segmento tem uma relação mais estreita com a mídia que as veicula. Aqui estão obras tais como:

  • As concebidas para a oralidade e para o gestual: o poema é pensado para a recitação e para a integração com elementos sonoros e gestuais. É a poesia de récita.

  • As concebidas para a fusão com o editorial: o aspecto editorial é parte integrante da obra.. Todo o Concretismo, por exemplo, se fundou na incorporação do aspecto editorial ao poema. É a poesia gráfica.

  • As concebidas para mídia animada, seja vídeo ou computador. É a poesia cinética.

  • As concebidas para mídia interativa. Utilizam de técnicas como o hipertexto e os recursos de programação do computador. É a poesia interativa.

Todas as ponderações acima se referem a obras poéticas criadas pela idéia da obra acabada que vem a público pronta após uma laboriosa gestação. Poderíamos também abordar a poesia performática, gerada em interação direta com o público, mas isso foge ao nosso escopo.

Talvez neste ponto alguns coloquem em questão a pertinência de tais ocorrências  literárias ao ramo  da poesia, mas entendemos que outros, como os concretistas já aplainaram nosso caminho nessa discussão. Neste início de milênio já estamos  maduros para entender que a poesia tem muitos caminhos para vicejar e pode  ser mais, sempre mais, e que o futuro talvez nos reserve ainda outras formas  de manifestar a beleza pela palavra.

Aparentemente, a poesia tradicional, aquela projetada para o texto convencional, é a mais imune ao condicionamento da sua mídia. Mera aparência. O texto convencional condiciona o poema em vários aspectos. Por exemplo:

  • O texto convencional permite uma redução dos níveis de comunicabilidade muito maior que outras modalidades de discurso. Os autores usam à vontade esse potencial ora suprimindo a redundância, aumentando a concisão, ora enriquecendo o vocabulário, deixando mais complexa a sintaxe, ou burlando convenções lingüísticas.

  • O discurso escrito não tem meios eficientes de fazer uso da linguagem entoativa e gestual, pois, a ortografia é paupérrima na capacidade de descrever o oral e o gestual. Diante disso, a linguagem da poesia convencional assume estas limitações e abstrai as inúmeras possibilidades que existem no discurso oral.

  • O texto convencional, linear e analítico,  não tem o poder de síntese para dados contextos que é alcançado caso se utilize de recursos editoriais e de linguagem visual.

  • O texto convencional opera sem a perspectiva de retorno do ouvinte mas admite a releitura.

  • O texto convencional está impregnado de conotações, tais como: a da maior formalidade, da nobreza, da tradição, da circunspeção, etc.

  • O texto convencional enfrenta as sérias limitações da ortográfica oficial.

Enfim, o texto convencional, pelas características da sua mídia, tanto limita como expande as possibilidades de expressão, dependendo do contexto.

Nas outras modalidades de poesia, seja cinética, gráfica, interativa, etc., as limitações e versatilidades são outras. Cabe ao poeta explorar ao máximo a mídia para escapar das limitações e desfrutar ao máximo as possibilidades mais nobres.

Revolução na poesia?

Quando os concretistas começaram a explorar as possibilidades editoriais para fazer poesia, falou-se em revolução. De fato, a integração do aspecto gráfico ao fazer poético abriu novos horizontes aos poetas, ávidos, então, por fincar bandeiras nos mais altos picos da inovação estética. Voltando mais no tempo, constataremos que até o verso branco um dia foi saudado como revolucionário e causou furor  no seu tempo. Mas a inovação formal, muitas vezes, viabilizada pela e conseqüência da inovação tecnológica das mídias, por si é verdadeira revolução? Ou revolução estética é algo mais que abolição da rima e incorporação do hipertexto ao poema?

Olhando para o que foi considerado revolucionário no passado em termos formais veremos que percorremos um caminho de liberdades formais crescentes e de aceleração da novidade. Tanto, que hoje, nestes tempos pós-modernos, parece que não estamos tão dispostos a nos deslumbrar com novidades candentes, nem tão ávidos pela novidade em si. Somos uma geração acostumada e saturada de novidade que lutamos no dia a dia para nos adaptarmos a ela. Vivemos numa sociedade acelerada até demais e é difícil absorver tudo de novo que nos é despejado diariamente. Talvez, em função disso, a poesia na Internet seja uma revolução que transcorre silenciosa sem tantas trombetas alardeando o fato. Ora, a Informática e a Internet abriram possibilidades imensas aos poetas antenados. Quanto se pode fazer em  termos de arte cinética, de arte interativa. Quão promissoras são as possibilidades de divulgação do trabalho do poeta a partir da Internet. Sim, há uma revolução em curso. Mas os que a fazem, tão acostumados a uma herança de revoluções, de certo modo enfastiados com elas, simplesmente a fazem, não a festejam, nem a alardeiam, pois a índole deste início de milênio está mais para a realização que para a agitação cultural.

Relações superficiais e simbióticas

Tem se tornado comum vermos poetas panfletando que produzem uma nova modalidade poética pois, fundem a poesia ao seu aspecto oral, ao seu aspecto gráfico, produzem poesia animada, interativa, etc. Ao olharmos de perto, vemos que muitos desses poemas criados para novas mídias se servem apenas superficialmente das possibilidades que a mídia lhes oferece. Às vezes, o que é apresentado como poesia cinética é apenas poesia convencional exibida com recursos de animação. Em outros casos, o que se chama de poesia interativa é apenas poesia convencional apresentada com auxílio de uma mídia interativa.

Uma poesia que se diga interativa tem que ter na interatividade um elemento essencial à sua fruição. A obra não subsiste sem a interatividade? Então ela é interativa. Uma poesia é gráfica quando o fator gráfico condiciona definitivamente o poema e este submerge com a subtração do elemento gráfico. Quando chegamos a este patamar, em que uma característica da mídia é elemento essencial do poema temos uma relação simbiótica entre a poesia e sua mídia. É claro que nos momentos iniciais de uma  mídia nova muito do que se faz com ela se baseia na transposição pura e simples da experiência adquirida em mídias anteriores. Com o tempo, a mídia nova ganha sua própria personalidade e os que trabalham  nela começam a utilizar melhor suas potencialidades. Em função disso, precisamos ter certa paciência por uns tempos com os poemas virtuais que são poemas convencionais em mídia virtual. A poesia realmente virtual virá com o tempo. 

Poesia sem palavra?

Nem tanto. A definição de poesia está sempre em transformação, felizmente. O conceito tem se alargado bastante, mas um limite tem que ser respeitado: poesia é a beleza que vem através do discurso. A poesia, e de resto a literatura, é a arte cuja matéria prima é a linguagem e que se converte em fato concreto nos discursos poéticos. Existe poesia sem discurso? Não. Existe poesia com linguagem  não lingüística? É provável. Mas o que dizer de certas ocorrências interessantíssimas como o que se vê na arte gráfica do cartaz, por exemplo, onde por vezes existe comunicação mas não há discurso? Boa pergunta. Provavelmente estamos diante de uma forma de arte não devidamente catalogada.

Poesia de engenheiro

Uma sombra paira sobre muitas das poesias que se relacionam intensamente com suas mídias: a excessiva valorização do aspecto técnico e pirotécnico da obra em detrimento de uma crítica global. Parte-se de uma visão superficial do fazer poético e julga-se possível separar forma e fundo, como se fossem coisas desmembráveis, dando-se uma ênfase absoluta na questão da forma. A obra genial é entendida como a obra pirotécnica que usa a ultra recente rima tecno endergonorgética. O resultado é igual àquele que intuímos ao sair do cinema depois de assistir a um filme primoroso nos efeitos especiais e só neles. Sim, efeito especial faz sucesso de público, mas será que não está faltando alguma coisa? A moral que tiramos desses filmes é que a técnica só é boa quando integrada e a serviço de um todo articulado. Com a poesia virtual  não será diferente. Quiçá ela ganhe o status de arte maior. Mas isso só vai acontecer se cabeças iluminadas se curvarem sobre ela para produzir as obras primas que ela necessita.

 

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