Os estudos gramaticais passam por um momento de descrédito, como reflexo da crise de identidade em que o estudo de língua portuguesa mergulhou nos últimos anos. A gramática tradicional normativa é posta em xeque e as reflexões novas sobre nossa língua ainda não estão perfeitamente delineadas.
Escrever gramática sob o fogo cruzado das facções em disputa nesse momento de transição é tarefa ingrata. Corre-se o risco da incompreensão e da crítica destrutiva. Mas não podemos nos dar por satisfeitos só por repelir uma proposta gramatical caduca. O vácuo deixado pelos gramáticos tradicionais precisa ser preenchido. Essa será nossa meta: arejar os estudos gramaticais deixando-os mais afinados com a realidade contemporânea de nossa língua.
Nosso trabalho se pauta em alguns pressupostos que descrevemos na sequência.
O idioma é formado por variantes geográficas, de classe social, de nível cultural, enfim, o idioma não é homogêneo. Uma variante não é em si, boa ou má, elevada ou baixa, rudimentar ou evoluída, bela ou feia. Os atributos que se pode imputar a uma variante são resultado do processo histórico, social e político da língua. A realidade histórica, social e política da língua também é objeto de estudo do lingüista, mas não no sentido que este deva tomar partido desta ou daquela visão. O linguista também é falante e por isso, agente do idioma, mas quando na posição de linguista a conduta que se espera dele é a de observador e analista, não de agente.
Uma das maiores criticas à gramática tradicional é a sua falta de rigor. Vejamos um exemplo: O substantivo é descrito na tradição como a classe de palavras que designam os seres. Uma definição desse tipo peca por levar em conta apenas o aspecto semântico da classe dos substantivos, e ainda assim, precariamente, pois há inúmeros substantivos que não designam seres. A gramática tradicional deixa de fora da definição de substantivo o comportamento morfossintático da classe, suas condições de emprego e vários outros aspectos importantes para uma boa descrição. É claro que o rigor é um atributo relativo e o rigor que buscaremos é o adequado ao nível de aprofundamento que desejamos.
As conclusões do modelo proposto devem ser abrangentes para dar conta de todas as ocorrências do idioma relacionadas ao modelo e não apenas, de casos específicos mais dóceis à análise.
O modelo proposto tem que ser verificável, ou seja, quando uma ocorrência empírica coloca o modelo em xeque, o que tem que mudar é o modelo e não a ocorrência.
Uma corrente linguística defende que os objetos de estudo da língua devem ser extraídos de um corpus empírico, em geral, proveniente de discursos coletados e transcritos de situações reais de uso da língua. A vantagem dessa técnica é que o estudo fica baseado em discursos de fato proferidos e praticados pelos falantes, embora seja difícil estabelecer em que medida tais discursos são representativos da realidade do idioma. A desvantagem do uso do corpus empírico é que nas condições reais de uso o discurso está permeado de fenômenos que não dizem respeito especificamente à abordagem em andamento, causando uma desnecessária dispersão do estudo.
Nossa opção será por utilizar o corpus empírico sempre que ele se apresentar em condições ideais de análise, ou seja, expurgado de fenômenos dispersivos e passível de ser rotulado como enunciado ideal. Quando não for possível a coleta no corpus empírico, usaremos dados da intuição do linguista que atendam melhor à verificação que se busca. É claro que, posteriormente, a intuição do linguista deve ser abonada por outros falantes.
Os discursos proferidos em condições reais de uso do idioma estão repletos de contingências que perturbam a exposição do modelo proposto. O melhor para a descrição linguística é a seleção de exemplos ideais, expurgados de más formações e de outros fenômenos dispersivos. Alguns estudiosos criticam essa prática alegando que a análise se torna artificial, uma vez que não utiliza objetos reais de estudo. Na verdade, os exemplos ideais também são enunciados válidos que servem a contento para a descrição do idioma. Seria um preciosismo trabalhar somente com exemplos empíricos que levariam a uma considerável queda de produtividade.
O estudo gramatical é pródigo em terminologia especializada, o que é uma vantagem e um problema. Quando se faz um esforço no sentido de avançar o estudo gramatical, esbarra-se inevitavelmente na inadequação do vocabulário tradicional. O que fazer, então? Criar novas terminologias?
Essa prática, quando indiscriminada, não nos parece a melhor solução. Nosso esforço será na direção de reduzir o vocabulário ao mínimo necessário, para dar elegância à descrição. Tentaremos preservar ao máximo a nomenclatura herdada da tradição, amplamente difundida, mesmo correndo o risco de perturbar a descrição com a conotação agregada à terminologia tradicional.
Usaremos as seguintes convenções de representação:
Uso e menção: Para mencionar um segmento de discurso enquanto signo, usaremos itálico. Por exemplo:
Transcrição biunívoca orientada para o português: A transcrição fonológica específica para o português adotada em nosso trabalho será colocada entre barras. Por exemplo:
Nesse caso, usaremos um conjunto próprio de grafemas para as transcrições fonológicas que pode ser visto na seção Grafologia.
Transcrição da IPA: Nos casos em que fizermos transcrição fonológica nos padrões da Internacional Phonetic Association, usaremos colchetes para delimitá-la.
Enunciados mal formados. Indica-se por um apóstrofo inicial. Por exemplo:
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