Categories: Recursos

Recursos retóricos entoativos e gestuais

No discurso falado, três códigos se sobrepõem: a língua, a linguagem entoativa e a linguagem gestual. É discutível a separação entre língua e entoação, mas vamos mantê-la por questão metodológica.

Entoação é o que resulta da definição do timbre, da altura, da intensidade e da duração dos sons da fala. O gestual resulta da postura, da fisionomia e dos gestos.

Eventos de entoação e gestual nem sempre são signos. A entoação e gestual comunicativos convivem com os expressivos. Também se distingue a entoação e gestual naturais da convencional. Ainda se distingue o intencional do espontâneo, o autêntico do representado.

Geralmente, associa-se entoação e gestual comunicativos à convenção e a entoação e gestual expressivos à naturalidade. É assunto para estudo determinar se todas as entoações e gestos comunicativos são convencionais e se todos os expressivas são naturais. Tem-se como certo que certas entoações e gestos comunicativos imitam entoações e gestos expressivos.

Tipos de signos entoativo-gestuais

  • Arbitrários. Exemplo: dizer ‘sim’ oscilando a cabeça na vertical.
  • Imitativos. Exemplo: pedir afastamento repelindo com a mão um hipotético objeto à frente.
  • Associativos: Podem ser metafóricos ou metonímicos se a associação que os gera for uma relação de semelhança ou de contiguidade respectivamente. Exemplo: dizer que se tem o domínio da situação imitando o gesto de quem segura rédeas nas mãos.

As entoações e gestos expressivos resultam do reflexo, da exteriorização de estado emocional, da personalidade, do instinto, de razões biológicas.

A entoação, a postura, a fisionomia, os gestos nos transmitem impressões sobre personalidade, estado emocional, condição física e no caso de comunicativos, mensagens.

Por ser mais versátil e privilegiada, a língua costuma se impor no discurso falado como código principal e à entoação e ao gestual cabem as funções de reforço, complementação, modificação.

Os códigos entoativo e gestual são mais pobres em recursos que a língua. Geralmente, veiculam idéias simples como ‘sim’ e ‘não’ ou representam grupos de idéias análogas. Por exemplo: as mãos crispadas podem significar intensidade, ódio, fervor, persistência, etc. Com isso, não se deve entender que a linguagem entoativa e gestual tem valor reduzido para efeitos expressivos e retóricos.

Interações entre língua e códigos entoativo-gestuais

A entoação e o gesto interagem  com a língua de várias formas. Vejamos:

  • Reforço – exemplo: dizer ‘sim’ e ao mesmo tempo oscilar a cabeça na vertical. Tem-se reforço, redundância.
  • Complementação: O discurso linguístico se completa com o entoativo e o gestual. Dizer, por exemplo, ‘Sabe qual a minha resposta?’ e em seguida oscilar a cabeça na horizontal.
  • Modificação: O entoativo e o gestual atuam sobre o linguístico modificando-o. Têm função semelhante à dos adjetivos e a dos advérbios. Um modificador de interesse particular é a ironia entoativo-gestual. Nela o discurso linguístico afirma algo, mas uma entoação ou gesto diferenciados negam o discurso linguístico.
  • Ênfase: O entoativo e o gestual enfatizam partes do discurso linguístico. Por exemplo: Citar com volume mais intenso uma palavra que se deseja destacar ou colocá-la entre pausas, ou pronunciá-la com entoação silábica.

Entoação e discurso escrito

As ortografias, via de regra, são paupérrimas de recursos para representar entoação. Quando se verte o discurso oral para o escrito perde-se a entoação. Os discursos codificados especialmente para a escrita abstraem a entoação para não dependerem dela. As ortografias só representam a entoação quando a estrutura da língua depende da entoação como único recurso para a construção do discurso.

No português, por exemplo,  as frases interrogativas orais são formadas com uma modulação própria de altura no final da frase. O ponto de interrogação representa essa modulação. Ainda no português, os elementos de uma enumeração são distinguidos por pausas entre eles. Na escrita, a pausa é representada pela vírgula.

A inexistência de ortografia para elementos de entoação, mesmo os comunicativos, não chega a ser um problema em muitos tipos de texto, principalmente os mais utilitários. Já em textos que servem para o preparo de representações, como oscript de teatro e o roteiro de cinema, a falta da entoação é sentida. Enquanto dramaturgos e roteiristas não publicarem seus textos acompanhados de uma partitura para a entoação, caberá aos diretores e atores definirem a entoação com critérios próprios.

Pausa

O silêncio é um dos recursos mais ricos de expressividade da entoação. A pausa tem várias funções: distingue os termos sintáticos de uma enumeração, rompe a dependência de um termo do seu contíguo, etc. Faz-se pausa também com função retórica. A pausa pode criar suspense, métrica, atenuação/agravamento e também ajustar a ocorrência do discurso às ocorrências do contexto circundante. Além disso, a pausa também dá conformidade expressiva.

Redução ao entoativo-gestual

Há certas ocorrências de discurso em que o linguístico se torna suporte do entoativo ou do gestual. Quando alguém diz: ‘Que mulher’, o sentido do enunciado só se evidencia pela entoação. A entoação pode agregar à frase reprovação, aprovação, decepção, admiração. O enunciado é apenas o suporte da entoação e é esta que porta a mensagem principal.

Princípio da conformidade expressiva

Há um princípio bastante disseminado que supõe a conformidade entre o que se expressa e o que se comunica. Quando ele não se verifica, causa estranhamento, desconfiança, reprovação.

Por esse princípio, não é aceitável que uma notícia triste seja dada com o semblante sugerindo felicidade ou vice-versa, ou seja, a entoação e os gestos devem estar de acordo com o que suscita a mensagem do discurso.

Figuras de linguagem (Recursos retóricos)

No meu canal no YouTube

Baixe a planilha grátis que conjuga todos os verbos do português.

Radamés

Engenheiro curitibano pela UFPR, professor e produtor de conteúdos e ferramentas educacionais para a Internet.

Share
Published by
Radamés

Recent Posts

Locativos

A classe dos locativos é fechada e compostas por palavras invariantes, não flexionadas. Comportam-se como…

55 anos ago

Artigo – classe morfológica

A classe dos artigos é fechada e formada, a rigor, por um único lexema que…

55 anos ago

Possessivos – classe morfológica

A classe dos possessivos é limítrofe. Poderia ser considerada como um caso especial da classe…

55 anos ago

Sintagmas da língua portuguesa

Os sintagmas são as unidades formais mínimas da sintaxe, ou seja, são as unidades que…

55 anos ago

Essa língua portuguesa!

A língua portuguesa não é para fracos. São tantos detalhes e exceções que resolvi fazer…

55 anos ago

Essa reforma ortográfica!

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro…

55 anos ago