Pode parecer que estamos retomando o ideal renascentista do homem que dominava as mais variadas artes e ciências. Se fôssemos listar as competências e padrões de comportamento esperados do profissional moderno precisaríamos de muito papel e talvez a relação ficasse mais extensa do que a lista de habilidades dominadas por Leonardo da Vinci. O profissional moderno precisa conhecer idiomas, dominar a Informática, manter ótimo relacionamento interpessoal, ser criativo, flexível, aberto a mudanças, estar atualizado, reciclado, saber escrever com correção e elegância, etc.
Bem, agora vamos falar sério. A maioria das funções do mercado não precisa de um Leonardo da Vinci. Então por que essa histeria com a ampliação ilimitada das competências? Precisamos de todos esses talentos para ser bons profissionais? Sim e não. Sim, é saudável buscar o crescimento pessoal. Não, não é razoável abraçar metas exageradas de desempenho quando não há demanda por elas.
Não estaríamos reagindo de forma exagerada aos problemas com os especialistas do passado? Especialistas são aqueles caras que sabem quase tudo sobre quase nada. Como eles não dão conta do recado em algumas situações da vida agora a onda é o profissional generalista, multifuncional, pluri competente. Sejamos holísticos, então, mas cuidado: Quem levar à risca a cartilha do novo profissional corre o risco de ficar sabendo quase nada sobre quase tudo. Não seria melhor, fazer de quase tudo um pouco, mas fazer pelo menos uma coisa bem feita?
Em busca do conhecimento essencial
Embora eu não seja pedagogo, costumo me ocupar a sério da pergunta fundamental da pedagogia: O que preciso saber? Vivo envolvido com tecnologia, mas acredito que atualmente somos atormentados por falsas prioridades de conhecimento, em especial, aquelas que nos obrigam a mergulhar profundamente, exclusivamente, no mundo digital. Sim, é importante saber operar os sistemas operacionais, mas existem sabedorias mais fundamentais e ouso dizer que para se chegar a elas podemos lançar mão de suportes estilosos como iPad ou Kindle.
Fundamental é conseguir aplicar o Teorema de Pitágoras no cotidiano. É fundamental entender por que a Batalha de Stalingrado foi um fato crucial na História. Essencial é saber que a teoria da evolução de Darwin explica a sobrevivência do mais apto e não do mais forte. Talvez a esta altura você, caro leitor, esteja pensando: O que eu quero saber de Teorema de Pitágoras, Stalingrado e Darwin? Tudo bem, as minhas prioridades podem ser diferentes das suas, mas acredito cada vez mais que existe uma base comum de conhecimento que faz diferença para a vida. É uma base elástica que muda um pouco de pessoa para pessoa, porém não tão variável a ponto de dizermos que cada caso é um caso. Em princípio, formar essa base seria a missão da escola, defini-la com muita clareza deveria ser o objetivo de todo educador.
— O que eu ganho estudando isso?
Euclides há muitos séculos ouviu essa pergunta de um pupilo e reagiu imediatamente:
— Criado, entregue uma moeda de ouro a este rapaz porque ele quer lucrar com tudo que aprende.
Passados muitos séculos, a pergunta do aluno interesseiro continua ecoando pelas salas de aula. Alguns poucos desocupados como eu continuam fazendo a pergunta muito depois de sair da escola. Sou um colecionador de conhecimento.
Afinal, o que é preciso saber para viver?
Por que preciso estudar tudo isso? Acredito que você, caro leitor, já fez essa pergunta para si mesmo várias vezes quando estava na condição de estudante. Talvez, teve que respondê-la, quando no papel de pai e se, porventura batalhou como professor deve ter sido alvejado por ela inúmeras vezes. Já me deparei com essa pergunta enquanto estudante, pai e professor e gostaria de ter uma resposta fulminante engatilhada debaixo da língua, mas quanto mais básica a pergunta, mais difícil fundamentá-la.
Colocando em outros termos: O que o cidadão precisa conhecer para se considerar formado para a vida? Não estamos falando de conhecimentos específicos da carreira profissional, mas da matéria geral que é útil a todos independente da profissão que escolhemos. Alguns dizem que a escola nos prepara mal e não supre o mínimo necessário de conhecimento que necessitamos para o cotidiano. Outros acham que principalmente no Ensino Médio os alunos são bombardeados com excesso de conteúdo e que muito do que é despejado na cabeça dos jovens não vai ter utilidade para a vida. Quem está certo? Provavelmente, ambas as correntes. A escola não ensina tudo que precisamos, em parte por ensinar mal, em parte por não adotar um currículo abrangente. Em algumas áreas, porém, o currículo se aprofunda demais onde bastaria apenas a visão geral.
Até aqui falamos de currículo escolar, mas não vamos jogar a responsabilidade toda para a escola. A formação integral acontece em muitos lugares começando em casa, passando pela escola e se estendendo indefinidamente no trabalho e onde mais cada um quiser se aprimorar. O brasileiro precisa passar cerca de 10.000 horas de sua vida na escola para concluir o ensino fundamental e médio. Para a maioria, esse será o maior investimento que vai fazer na vida para formar competências essenciais.
Nos cursos de graduação dedica-se algum tempo para complementar a formação geral. Somem-se a isso cursos livres e o tempo gasto no aprendizado informal que não precisa de escola para acontecer. Provavelmente, nosso investimento em formação genérica ultrapassa 15.000 horas durante a vida, o que equivaleria a mais de sete anos de estudos em período integral. É bem mais do que investimos em formação específica para a carreira.
O que fazer com todo esse tempo de formação? Como usá-lo sabiamente? O currículo nas escolas está em contínua transformação e. Infelizmente, costuma preparar o jovem para necessidades do presente, ou pior: para competências obsoletas, quando deveria prover as necessidades futuras. De qualquer forma, sempre podemos tentar uma aproximação do que seria uma formação ideal mínima.
Matemática. Começando pela aritmética, passando pela álgebra, trigonometria e geometria, os conhecimentos matemáticos devem abranger também probabilidade, estatística, cálculo numérico e é desejável que alcancem os fundamentos do cálculo diferencial e integral.
Linguagem. Dominar o uso da língua pátria e duas línguas estrangeiras é a meta. Em nossa realidade o inglês e o espanhol se destacam como possíveis segunda e terceira língua. Para isso, são importantes noções de linguística, estudo dos gêneros textuais com destaque para a alta literatura e, é claro, muitas atividades de leitura, interpretação e de expressão oral e escrita.
Ciências naturais. A biologia nos traz conhecimentos sobre os seres vivos e sobre nosso corpo, nos leva a entender a genética, a evolução e a dinâmica do meio ambiente. A física nos dá uma interpretação matemática sobre ondas, eletricidade, mecânica, termologia e relatividade. Pela química conhecemos a estrutura da matéria, suas reações e os compostos orgânicos e inorgânicos, além da radioatividade.
Ciências da terra. Conhecer nosso planeta, sua geografia física, econômica e humana; entender o clima e o tempo, interpretar mapas, conhecer o que está na terra, água e céu por meio de áreas como geologia, hidrologia e astronomia.
Ciências humanas. Conhecer a História do mundo, de seu país, das artes, das ciências e do cotidiano; entender as correntes de pensamento da filosofia e os fundamentos das principais religiões; saber analisar os fatos em perspectiva sociológica e antropológica; dominar os fundamentos da economia para entender a dinâmica do mercado; entender pela pedagogia como se aprende para poder ensinar; saber de Política como ciência; compreender o comportamento das pessoas pela Psicologia; esses são alguns desafios das ciências humanas.
Saúde. Entender sobre doenças para preveni-las; conhecer sobre esportes e atividades físicas para melhor praticá-las; conhecer sobre alimentos para uma melhor nutrição; tudo isso é necessário para cuidar da saúde.
Arte. Conhecer as características de cada manifestação artística, sua história e suas escolas para melhor apreciá-las ou para praticar a que tiver afinidade. Estamos falando de Arquitetura, Artes decorativas, Cinema, Dança, Design, Escultura, Fotografia, Música, Pintura, Teatro r Televisão.
Administração. Conhecimento sobre administração não é só para empresários. Todos precisam cuidar de suas finanças pessoais, da carreira, de negócios e contabilidade pessoais e, por vezes, gerenciar pessoas.
Direito. Precisamos sabe de nossos direitos de consumidor, civis, criminais e constitucionais.
Informática. Cada vez mais presente em nossas vidas, precisamos da Informática em nível de usuário para dominar os sistemas operacionais, os programas de produtividade, ter noções de linguagens de programação e de funcionamento de redes.
Tecnologias. Em um mundo regulado pela tecnologia é importante ter noções sobre as que nos rodeiam, seja em casa, no escritório ou na rua. Dessa forma, podemos nos virar na hora em que o carro dá uma pane, formatar o computador, trocar a resistência do chuveiro ou consertar a torneira que fica pingando.
Artes práticas. Essas artes costumam ser marcadas por questões de gênero, mas seria bom se todos, homens e mulheres, soubessem preparar um almoço, cuidar da casa e do jardim, atender vítimas em primeiros socorros, além de saber jogar xadrez, dançar uma valsa, escolher a roupa certa para cada ocasião e ter ideia do que fazer caso se perca na selva.
A lista de conhecimentos e habilidades é longa, bem mais do que previa o ideal humanista do período do Renascimento que almejava a formação integral do homem. Resta saber se alguém consegue atender a todas essas exigências da vida moderna. Tudo bem, ideal é para ser buscado, o que não significa que será alcançado.
Habilidades obsoletas
Quem nunca ouviu a frase: “Esses jovens de hoje em dia são tão inteligentes.” Realmente, a garotada de hoje é mais bem nutrida, passa mais tempo na escola e têm mais acesso à informação, mas a impressão de que eles são mais inteligentes se deve principalmente ao domínio que eles têm da tecnologia digital.
Se olharmos mais atentamente, porém, vamos perceber que os jovens não podem ser considerados mais habilidosos de que seus pais; não há como estabelecer essa comparação porque os jovens desenvolvem habilidades diferentes das que seus pais dominam. Felizmente, para a nova geração, as habilidades em que eles se sobressaem são mais úteis para a vida moderna. Nem poderia ser diferente, a sociedade se encarrega de estimular competências necessárias à realidade do momento.
Quem é da velha guarda não precisa cair na fossa negra da depressão; as velhas gerações também são proficientes em muitos pontos, embora muitas dessas habilidades de velho sejam de pouca utilidade em um mundo que se transforma rapidamente. Em cada época somos cobrados por habilidades diferentes. O tempo passa e algumas habilidades tornam-se obsoletas, enquanto que outras passam a ser valorizadas. Vamos exemplificar lembrando de algumas habilidades simples que os jovens de hoje estão perdendo rapidamente.
- Ler as horas em relógios de ponteiro. Com a profusão dos mostradores digitais, a capacidade de ler instrumentos com escalas analógicas está se tornando uma raridade. Pior se o relógio mostrar algarismos romanos ou se tiver apenas risquinhos indecifráveis.
- Consultar listas em ordem alfabética. Poucos jovens conseguem consultar um dicionário impresso ou encontrar rapidamente seu nome em uma lista de aprovados no vestibular pelo simples fato de que já não dominam a organização de dados em ordem alfabética. Os computadores que encontram tudo rapidamente tornaram essa habilidade desnecessária.
- Escrever à mão com letra cursiva. A escrita manual está se tornando rara em um mundo dominado por teclados. Imagine a dificuldade para encontrar alguém que tenha uma bela caligrafia cheia de personalidade.
- Fazer contas de cabeça. As quatro operações aritméticas básicas ainda são ensinadas na escola, mas com objetivo de estimular o raciocínio e não por necessidade prática desse mundo repleto de calculadoras.
- Escrever nos rigores da ortografia oficial. Dominar a ortografia do idioma materno é uma habilidade em declínio considerando que processadores de texto e navegadores de Internet contam com verificação ortográfica, sem falar na liberalidade do internetês.
Se você, caro leitor, domina as habilidades obsoletas acima não sinta-se velho; vamos lembrar de algumas habilidades do mundo da Informática que também já entraram para o rol das velharias digitais:
- Operar computador por linha de comando. Tirando alguns xiitas do Linux, ninguém quer saber de digitar DIR para ver a lista de arquivos do computador.
- Dominar recursos avançados do Office. Você cria documentos usando modelos e tópicos do Word? Cria macros no Excel? Parabéns, mas o que fazer com isso na era do Google Docs?
- Criar um website. Houve um tempo em que ter um site na Internet era o must, só que o Facebook dominou geral.
Se voltássemos no tempo até a época de nossos avós, provavelmente nos sentiríamos inúteis em um mundo com necessidades totalmente diferentes. Nossos avós diriam que tablet é coisa do diabo, mas eles sabiam das coisas. Quem hoje em dia saberia fazer geleia a partir da fruta, macarrão a partir do trigo ou extrato começando pelo plantio do tomate. Meu avô Napoleão, que era praticamente analfabeto, eu considero um engenheiro informal. Ele construiu um moinho de roda d’água e uma serraria com as próprias mãos. Minha avó Judite sabia fazer pão, queijo, vinho e salame, coisas que as mocinhas de hoje pensam que crescem nas prateleiras do supermercado.
Tudo bem que não vale a pena ficar de nostalgia com as habilidades necessárias no passado, mas alguns estudiosos acham que várias dessas habilidades obsoletas são úteis para a saúde da mente. O computador estaria assumido muitas funções do cérebro humano levando as pessoas ao sedentarismo mental. Na vida moderna, a caminhada foi substituída pelo automóvel e as contas de cabeça foram eliminadas pela calculadora. Algumas pessoas estão fazendo o caminho de volta dando preferência a uma boa caminhada sempre que possível para manter a boa forma física. Não seria o caso de trazermos de volta algumas habilidades mentais que a vida moderna nos fez abandonar?
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