Aprendi com um velho índio

Sapiências que não se aprende na escola.

Não dê conselhos. Venda-os

A regra é simples, mas fundamentada. Se o seu conselho é bom, então deve ter valor de mercado. Se não é, bem nesse caso o melhor é ficar calado. É grande a lista das pessoas que vivem de dar conselhos: coachers, consultores, palestrantes, evangelistas, especialistas, digital influencers, religiosos e por aí vai. São pessoas que estão lucrando com algo que talvez, você esteja doando por aí a quem não precisa ou não quer.

Bem sei, conselho bom mesmo chama-se exemplo, mas às vezes as palavras de alguém que sabe o que diz podem ser úteis. Se você adotar a regra de botar preço nos conselhos fica mais fácil decidir se solta o verbo ou fica quieto. Seja crítico com você mesmo. Você pagaria para ouvir as suas próprias ideias? Com certeza, seu repertório vai melhorar, afinal você vai se esforçar mais para ter o que dizer e logo vai concluir que conselho grátis bom mesmo é só o de mãe.

P.S.: Este foi meu último conselho grátis.

A persistência e a teimosia

Em todos os textos que já li sobre as qualidades do empreendedor figura a persistência. Persistência, palavra bela que nos remete ao padrão de comportamento virtuoso de quem não se desvia do objetivo traçado, é obstinado, tenaz, perseverante. Por outro lado, desde cedo somos alertados dos perigos da teimosia. “Não seja teimoso, meu filho.” “Aquele velho é uma parede de teimosia.” A teimosia destrói relações entre as pessoas e leva ao isolamento. A teimosia é um dos tipos mais citados de chatice.

Mas, afinal, qual é a diferença entre persistência e teimosia? Eu diria que ambas quando analisadas fora de contexto remetem ao mesmo padrão de comportamento. São absolutamente iguais quando observadas em si. A diferença? É simples. Teimosia é uma persistência que deu errado e a persistência é uma teimosia que deu certo.

A diferença entre o físico e o engenheiro

Em um serviço on-line de perguntas e respostas voltado para estudantes do ensino fundamental e médio, o aluno perguntou:

— Se eu preencher uma garrafa PET de 500ml com areia, quanto ela vai pesar?

A resposta de outro aluno veio rápída:

— Pegue uma garrafa PET de 500ml, encha com areia e pese na balança.

A pergunta, provavelmente, partiu de algum professor de física ou ciências e, por intermédio do aluno perguntador, chegou ao serviço on-line. Se eu fosse o aluno perguntador, faria exatamente o que lhe foi sugerido. Depois, fotografaria a garrafa sobre a balança e entregaria a foto ao professor como prova inequívoca de vocação para a física experimental. O professor teria que aceitar a resposta, mesmo que sua expectativa fosse receber um cálculo usando as fórmulas da densidade aparente. Caso o professor não tivesse senso de humor nem respeito por inteligências múltiplas, o aluno perguntador poderia argumentar dizendo que a questão não especificava um método de resolução.

Não vou esconder minha simpatia pelo aluno que respondeu à pergunta. Além de ajudar um colega voluntariamente, ele mostrou um senso prático incomum nos dias correntes. Alguns professores podem achar que esse empirismo não tem o alcance de uma demonstração teórica abstrata. Concordo que abstração é importante, mas senso prático também é na mesma proporção. Tudo depende do abacaxi que você tem nas mãos para descascar. E assim demonstramos na teoria e na prática que ensinar para a vida é uma arte.

Não basta ser eficiente, tem que parecer estressado

Esses dias fui conversar com um colega sobre um assunto de serviço e ele me perguntou:

— E aí? O que lhe aflige?

— Nada – respondi.

Imediatamente, várias cabeças se ergueram de trás dos monitores e começaram os comentários:

— Não seja por isso. Posso lhe doar algumas aflições agora mesmo.

— Tenho uma pilha de serviço para dividir com você.

— Está dispensado.

Brincadeiras à parte, no atual mundo trabalho é preocupante a associação íntima que as pessoas imaginam existir entre estresse, excesso de trabalho e eficiência.

É como se existisse uma lei imutável dizendo que o estresse é diretamente proporcional à quantidade de serviço pendente e, pior, exponencialmente proporcional à eficiência do colaborador.

Na Roma antiga diziam que não bastaria à mulher de Cesar ser honesta, ela devia parecer honesta. Com algumas adaptações a velha regra pode ser adotada no mundo do trabalho contemporâneo. “Não basta ser eficiente, você tem que parecer eficiente.” Isso quem me disse foi um antigo gerente em uma dessas avaliações sistemáticas das corporações modernas. E quais seriam os traços aparentes da eficiência? Bem, reclamar do excesso de serviço parece que é um deles, pois caso contrário você corre o risco de passar por folgado e aí logo virá alguém com uma cascata de tarefas para enriquecer o seu ócio criativo. Outra regra certeira é viver estressado, pois isso denota responsabilidade e comprometimento.

Se as pessoas não estivessem tão assoberbadas e estressadas, talvez percebessem que o estresse derruba a produtividade e que pessoas produtivas podem resolver com desenvoltura suas pendências e dessa forma não precisam andar por aí com os nervos desencapados. Não interpretem minhas palavras como auto elogio; na verdade eu também me estresso facilmente, mas com o tempo aprendi que estresse, excesso de trabalho e eficiência são três coisas totalmente independentes.

Telefonema sempre é prioridade 1

O som de um telefone tocando porta uma energia misteriosa capaz de colocar as pessoas em disponibilidade máxima. Por isso, se você quiser a atenção de alguém, ligue para ela. Nenhum outro artefato tem tanto poder para atropelar prioridades como o telefone, seja celular ou fixo. Não importa se o destinatário está em reunião, dormindo, fazendo uma refeição, se está no banheiro ou mantendo relação sexual. O toque do telefone funciona como uma ordem imperiosa da presidência: ATENDA JÁÁÁÁÁÁ. É como o choro de uma criancinha ou como uma sirene de alerta de bombardeio. Chamada telefônica tem que ser atendida.

Fomos condicionados como cães de Pavlov a responder de forma incondicional e insana ao toque do telefone. Esta é uma das razões pelas quais não tenho telefone celular. Telefone fixo ainda tem lá em casa, mas bem que eu gostaria de dispensá-lo. Na mesa do escritório, o telefone fixo está lá de prontidão para impor o ritmo na minha rotina de trabalho. Não pensem que quero me isolar do mundo, mas hoje dispomos de tantos meios de comunicação que já está na hora de escolhermos quais nos são mais convenientes.

O telefone é um meio síncrono, ou seja, quando toca você tem que atender. Não é como mensagem do zap ou e-mail que podem ser lidos mais tarde. Sou fã da comunicação assíncrona, pois me dá a ilusão que controlo a minha agenda. Infelizmente, não sou dono dela e acredito que por muito tempo ainda terei que atender telefonemas assim que eles soarem nervosos. Ainda bem que os telefones modernos permitem escolher o toque que teremos de ouvir. Fico na dúvida se o ideal seria os primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven ou da Tocata e Fuga de Bach. Ambas sugerem a iminência trágica do destino.

Por que preferimos o restaurante cheio?

Se você tiver que escolher entre dois restaurantes similares, provavelmente, vai optar pelo mais cheio. Tomamos essa decisão de forma intuitiva, baseados na crença de que o mais procurado é melhor. Agora vamos imaginar o seguinte cenário: um shopping center foi inaugurado e tem uma praça de alimentação com vários restaurantes, todos nivelados em qualidade e preço.  Os frequentadores que chegarem à praça recém inaugurada vão escolher um restaurante para sua refeição baseados em critérios pessoais e aleatórios.

O resultado desse processo vai ser uma distribuição mais ou menos uniforme dos clientes pelos restaurantes. Estamos diante de uma situação de concorrência perfeita em que ninguém se destaca. O dono de um desses restaurantes, porém, pode ter a ideia de distribuir pela cidade convites para as pessoas almoçarem gratuitamente em seu restaurante. Repentinamente e de forma não natural o restaurante generoso se enche de clientes. Um efeito manada é gerado e os clientes que não receberam convite grátis também passam a se dirigir ao restaurante considerado melhor por estar mais cheio. Obviamente, a regalia dos almoços grátis será suspensa assim que o restaurante ganhar uma dianteira confortável sobre os concorrentes.

Vamos para outro exemplo de diferenciação: imagine uma turma de arquitetos recém-formados, todos criativos, competentes e promissores. Eles vão ao mercado para vender seus projetos. No começo, todos conseguem emplacar alguns projetos e não se pode dizer que algum tenha se sobressaído. Em dado momento, porém, um deles consegue assinar um projeto de porte porque além de competente é amigo do empreendedor. Esse projeto dá visibilidade ao trabalho do arquiteto e a partir daí ele é chamado para participar de novas obras. Com o crescimento de seu portfólio, ele consegue a cada obra viabilizar projetos mais arrojados, coisa que seus colegas também seriam capazes de fazer, mas falta-lhes o prestígio para suas ousadias serem aceitas.

Um último caso que cito porque acompanho de perto. No Flickr, rede social de fotografia, existe uma área chamada Explore onde diariamente são exibidas as 500 melhores fotos do dia. Parece bastante, mas considerando que são publicadas mais de 5 milhões de fotos diariamente, as chances de ser selecionado para a seção Explore são de uma em 10.000. Aparecer no Explore normalmente multiplica a visitação à foto como se fosse mágica. É como se o seu produto fosse exibido na vitrine da loja. Todos querem saber como são selecionadas as 500 fotos diárias, mas ninguém sabe exatamente.

O processo, dizem, é automático e realizado por algoritmos matemáticos imparciais. Quem conhece o Flickr já viu muitas fotos merecedoras de constar no Explore, mas que não chegam lá. Eu diria que não se trata de perseguição do Flickr contra fotógrafos não reconhecidos. Simplesmente, há mais fotos qualificadas disponíveis do que a vitrine comporta. Digamos que em 5 milhões de fotos conseguimos extrair umas 5.000 realmente boas. De qualquer forma, no Explore, cabem apenas 500, logo 4.500 ficarão de fora mesmo tendo um alto padrão de qualidade. Injustiças à parte, é bom saber que nosso problema é de excesso de oferta de alto nível.

O que eu gostaria de mostrar com esses exemplos é que qualidade e competência, embora ajudem bastante, não são o ingrediente matador do sucesso, Existem fatores sutis de diferenciação que surgem nos momentos primordiais de uma corrida rumo ao sucesso que podem ser decisivos na trajetória de uma pessoa, obra ou empreendimento. Também não estou afirmando que esses fatores sutis são sempre ardilosos. Em muitos casos é simplesmente a sorte que dá o ar de sua graça para fulano e passa sem olhar para beltrano. Quando o ambiente de concorrência perfeita é perturbado por tais fatores sutis, surge um líder que ganhar uma vantagem competitiva simplesmente pelo fato de estar na liderança. Essa lei poderia ser resumida na frase: quem não levanta poeira, come poeira.

Para que serve a Matemática?

Esses dias, meu filho me perguntou para que serve a Matemática? Por coincidência, a pergunta veio depois de uma nota baixa no boletim do primeiro trimestre. Fiquei sem resposta. Melhor: preferi não dar nenhuma das respostas padronizadas que me vieram à cabeça, pois a pergunta dele era retórica, praticamente um desabafo que precisava apenas ser ouvido e não contestado.

Fita de Moebius

Obviamente, a Matemática serve para muitas coisas e não me refiro à situações práticas como calcular usando uma trena quantos galões de tinta vão ser gastos para pintar a casa. Matemática forma o caráter, pois para estudá-la é preciso cultivar virtudes como a paciência e a dedicação. A matemática nos ensina a não depender de recompensas imediatas, já que seus frutos são colhidos a longo prazo. Pela Matemática entendemos o que é progressão do conhecimento. A Matemática estimula o desenvolvimento de competências externas a ela mesma como operar em níveis altos de abstração. Em outras palavras, a Matemática pode ajudá-lo a tomar decisões complexas e a prever cenários. A Matemática fortalece o intelecto e poderia ser toscamente comparada à uma ginástica cerebral. Enfim, a Matemática é repleta de utilidades não matemáticas.

Para os matemáticos, porém, o questionamento sobre a utilidade da Matemática é totalmente inútil. Utilidade? Como assim? O conhecimento é um fim em si, dirão, não requer utilidade para ser buscado. Basta ao matemático a maravilhosa sensação da descoberta dos mistérios dos números. Além disso, o conhecimento matemático é uma experiência estética. Sim, a Matemática é bela e a beleza só é bela na maioria dos casos porque é matemática. Por fim, a Matemática é mística. Galileu dizia que a Matemática é a linguagem usada por Deus para escrever o mundo.

Diante disso tudo, para que procurar utilidade para a Matemática? Talvez, eu não consiga com esses argumentos melhorar a relação do meu filho com os números e nem há razões para forçar essa aproximação. O mundo não funcionaria se todos tivessem os mesmos interesses. É matemático: precisamos de sociodiversidade.

Reflexões

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