A Gramática Tradicional costuma reservar um capítulo ao estudo das mudanças de classe morfológica das palavras. Faz isso partindo da observação de ocorrências como as apresentadas a seguir:
Nos exemplos acima, alguns gramáticos identificam mudanças de classe morfológica nas palavras em negrito. Viver, supostamente verbo, aparece como sujeito da oração, uma característica típica dos substantivos. Verde, supostamente adjetivo, aparece com características de substantivo. Aranha, supostamente substantivo, é identificado como modificador de homem, função típica de adjetivos. Do mesmo modo, desvairado, considerado adjetivo, está na frase em posição de substantivo.
Esse modelo de análise se lastreia no princípio de que cada palavra pertence intrinsecamente a uma classe morfológica. Bem, existem motivos para considerar que viver é intrinsecamente um verbo. Um deles é o fato de a palavra ser formada por um radical e uma desinência verbal. Aparentemente, viver é uma palavra ‘talhada’ para ser verbo, mas na verdade, a palavra quando avulsa, não pertence a nenhuma classe morfológica. Só quando situada no contexto do discurso é que se pode associá-la a uma classe morfológica.
Não podemos dizer simplesmente: verde é adjetivo. A palavra verde na frase a grama é verde, sim, pode ser considerada adjetivo. Podemos, sim, dizer que verde é uma palavra que em boa parte das ocorrências aparece como adjetivo. Esse tipo de informação encontramos nos dicionários. O que fazem os dicionaristas, senão nos informar sobre as tipicidades de uso das palavras? Mas não podemos afirmar que verde é intrinsecamente adjetivo.
Mais modernamente, alguns gramáticos passaram a afirmar que os exemplos dados de palavras que ‘mudam’ de classe atestam a inconsistência das definições de verbo, substantivo e adjetivo e que seria necessária uma revisão dessas classes para dar conta de ocorrências como as exemplificadas. Na verdade, a mudança de classe gramatical é um falso problema que pode ser resolvido com uma reflexão mais aprofundada. Vamos analisar os exemplos dados.
Para começar, observe que nessa frase o ‘verbo substantivado’ está no infinitivo. O infinitivo é uma flexão especial que pode ser usada para citar a ação expressa pelo verbo. No exemplo dado, o verbo viver não está sendo usado. Estamos, de fato, citando o ato semanticamente ligado ao verbo, ou seja, o ato de viver.
Em frases como Dirigir requer atenção, a palavra dirigir é substantivo porque designa um ato. A ação de dirigir é que está sendo denotada. Na frase dada, temos um substantivo (viver) gerado por derivação de classe morfológica do infinitivo do verbo viver. Trata-se de um problema que se resolve pela diferença entre uso e menção.
O problema dos adjetivos que ‘mudam’ para substantivos também pode ser resolvido com uma análise de uso e menção. Em enunciados como banana amarela, céu azul ou neve branca, atribuímos qualidades aos objetos expressos pelos substantivos. Fazemos isso empregando adjetivos. Em enunciados como o verde acalma, estamos citando a qualidade, em vez de atribuí-la a um objeto.
Em português, geralmente, a sinalização que diferencia o uso da menção dos atributos de adjetivos é feita pelo emprego do artigo. Quando citamos o atributo usamos a combinação artigo mais adjetivo. Daí, temos: o escuro, o amargo, o áspero. Observe que existe um gênero implícito para essas ocorrências. Note também que existem, em muitos casos, palavras equivalentes para a mesma função como: a escuridão, a amargura, a aspereza. Trata-se de um caso de derivação de classe morfológica.
A análise desse caso é simples. Aranha não está modificando homem. Trata-se de uma locução gerada por justaposição. Dois substantivos são postos lado a lado mas nomeiam um só ser que possui dupla característica, de homem e de aranha. Resultado similar teríamos se disséssemos Homem e Aranha.
Aqui, o caso é de substituição metonímica. O ser é substituído pelo seu atributo. Muito comum na língua, esse tipo de metonímia costuma ser sinalizado pelo emprego do artigo diante do atributo. Temos uma derivação metonímica.
Vamos finalizar com um exemplo extremo de uso e menção.
Verde é adjetivo.
Partindo do modelo da mudança de classe, chegaríamos à conclusão que a frase é no mínimo paradoxal, já que expressa uma afirmação desmentida por ela mesma. Mas se fizermos uma análise de uso e menção, percebemos que verde, não está sendo usado e, sim, mencionado.
A frase se refere à palavra verde, não à cor verde, nem tampouco atribui a cor verde a um objeto. Trata-se de uma frase metalinguística. Por um processo metonímico de substituição, a palavra é utilizada para citar a si mesma.
Das análises dos exemplos anteriores, podemos tirar certas conclusões. Uma delas, é que as palavras não portam uma classe gramatical implícita, mesmo quando apresentem características morfológicas típicas de uma classe específica. Outra, é que as palavras não assumem qualquer classe morfológica indiscriminadamente. Existem situações bem definidas em que ocorre a derivação de classe. Podemos citar algumas:
Feitas as considerações devidas, fica uma questão residual. A palavra verde usada como adjetivo e a palavra verde usada como substantivo são a mesma palavra? Do ponto de vista fonológico temos a mesma realização vocal nos dois casos. Na perspectiva sintática e semântica, temos duas ocorrências distintas. Temos que lembrar ainda que uma ocorrência deriva da outra.
Realmente não é fácil dizer se estamos diante de uma palavra com dois empregos distintos ou de duas palavras com a mesma realização fonológica. Cremos que esta é uma questão indecidível. Fica a critério de cada um optar pelo que lhe parece mais razoável.
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Material excelente e bem organizado.
Ser util à sociedade é isto, nao olhar a beneficios materiais mas ser feliz apenas, por saber que contribuiu com o seu saber paera que mais mentes sejam esclarecidas.
Obrigado.