Ao estudar a língua, temos apenas os discursos como ponto de partida. A gramática da língua não é visível em si. As estruturas sintáticas não estão visíveis para observação, mas há bons indícios de que o sistema de regras que constitui a competência dos falantes é formado por estruturas sintáticas. Vamos exemplificar. Uma primeira evidência está em frases como:
O exemplo dado é uma ambiguidade sintática. Afinal, Pedro perdeu a senha ou o cartão? Podemos resolver a confusão com o uso de parênteses. Observe:
O emprego de parênteses gera dois sentidos válidos para a frase, Isso indica que a forma como agrupamos os itens da frase influi no seu sentido. Outra evidência está na categoria de caso, presente em vários idiomas. No português, temos um exemplo dessa categoria nos pronomes pessoais. Observe as frases seguintes:
Nas duas frases, a mesma pessoa é designada ora pela palavra eu, ora pela palavra mim. Isso ocorre porque os pronomes pessoais têm formas diferentes dependendo do caso. E qual seria a diferença considerada que justifica o uso de diferentes formas do pronome? Não é uma diferença que se explica por razões semânticas como nas variações de gênero ou número.
O uso das diferentes formas do pronome nos exemplos, deve-se ao fato de o pronome estar sendo usado em diferentes contextos sintáticos. Na primeira frase, o pronome desempenha uma função na estrutura sintática da frase e, na segunda, desempenha outra. O latim clássico é uma língua que faz uso intensivo de flexões de caso. Os substantivos, em latim clássico, têm seis formas diferentes, uma para cada caso, ou de outra forma, uma para cada função exercida na estrutura da frase.
Diante de evidências como essas, somos levados a crer que os falantes realmente segmentam as frases em partes, relacionando cada parte com uma função sintática, tanto quando geram frases como quando as interpretam. Os falantes têm consciência intuitiva dessas partes, tanto que em línguas como o latim, empregam diferentes formas dependendo da função sintática desempenhada pela palavra na frase. Esses segmentos se organizam em uma estrutura sintática. É dessas estruturas que vamos nos ocupar daqui por diante.
No nível sintático de análise encontramos três unidades formais: período, frase e sintagma. Podemos dizer que o modelo é concêntrico. O período é a unidade superior e se compõe por frases. Estas, por sua vez, se compõem de sintagmas que são as unidades inferiores do nível sintático. Observe o exemplo:
No exemplo, temos um período composto por duas frases:
Cada frase do exemplo se decompõe em sintagmas.
Niemeyer projetou os edifícios.
Lúcio Costa criou o projeto urbanístico.
Uma análise mais aprofundada, no entanto, nos mostra que graças ao recurso do encaixe, podemos encontrar períodos contidos em períodos, frases contidas em frases e sintagmas contidos em sintagmas, além de períodos contidos em frases, períodos contidos em sintagmas e frases contidas em sintagmas. Veja exemplos.
Período contido em período:
Período contido em frase:
Período contido em sintagma:
Frase contida em frase:
Frase contida em sintagma:
Sintagma contido em sintagma:
Aparentemente, as várias possibilidades de encaixe que a sintaxe nos permite perturbam a ideia de que período, frase e sintagma se organizam em um modelo concêntrico. A contradição é aparente e vamos explicar por que.
O período é composto por frases e as frases são compostas por sintagmas. Este princípio é o nosso ponto de partida, válido para todos os enunciados, tirando de lado apenas os casos em que acontece encaixe. No encaixe, uma unidade formal sintática aparece em posição inesperada, como por exemplo: um período toma o lugar de uma frase ou uma frase toma o lugar de um sintagma. Mas quando a unidade de nível mais alto ocupa a posição de uma unidade de nível mais baixo, a unidade superior assume o perfil sintático da unidade de nível inferior.
Tomada no seu conjunto, quando uma frase está encaixada em outra, ela se transforma em sintagma da frase mãe. Ela torna-se simultaneamente sintagma da frase mãe e frase se considerada isoladamente. O recurso do encaixe faz com que o item encaixado assuma dupla funcionalidade. No encaixe, um segmento pode ser ao mesmo tempo unidade de nível inferior no contexto da unidade mãe e unidade de nível superior se considerada isoladamente.
Não é simples definir com rigor as unidades formais da sintaxe (período, frase e sintagma), dada a complexidade e a riqueza da estrutura gramatical. Essa afirmação contrasta com a facilidade com que os falantes captam intuitivamente esses conceitos
Os usuários do idioma entendem rapidamente o que queremos dizer com o termo frase, se introduzirmos o conceito através de exemplos, se fizermos aproximações ou se apelarmos à intuição dos falantes. Na verdade, a Gramática Tradicional sempre usou desses expedientes para apresentar o conceito de frase. Mas quando buscamos uma definição formal para a frase, a situação se complica consideravelmente.
Da mesma forma, os falantes têm uma intuição clara do que seja um período, pois conseguem segmentar facilmente os discursos em períodos. Fazem isso quando, no discurso escrito, utilizam maiúsculas e sinais se pontuação para delimitar o início e o fim de períodos. No discurso oral, delimitam os períodos usando pausas e modulações de entoação. No entanto, se quisermos uma definição rigorosa de período, precisamos contornar algumas dificuldades.
Quanto aos sintagmas, é difícil dizer em que medida os falantes têm uma intuição forte dessas unidades formais, pois são poucos os contextos em que a consciência deles seja cobrada do usuário, a não ser na esfera dos estudos gramaticais.
Na sequência, vamos apresentar considerações relevantes para a delimitação das unidades formais da sintaxe.
Uma constatação imediata acerca de períodos é que no discurso escrito os períodos são iniciados com grafema maiúsculo e terminam com um sinal de pontuação final. Essas constatações, válidas para a maioria dos períodos, nos levam à questão: essas características são relevantes para a definição do período ou são consequência do fato de o enunciado ser um período? Usamos letra maiúscula no início de um período porque o reconhecemos como período ou para estabelecê-lo como período? A maiúscula inicial apenas reforça informações contidas em outros elementos de que estamos diante de um período? Trata-se de uma sinalização redundante que se for subtraída não prejudica o entendimento do falante, que poderá facilmente se localizar dentro do contexto e delimitar o período, mesmo sem a presença de um sinalizador gráfico de começo?
E quanto aos sinais de pontuação final? Bem, eles são decisivos para definir o tipo de frase que compõe o período, principalmente, para distinguir entre frase interrogativa e não interrogativa. Se comutarmos o ponto final pelo ponto de interrogação, veremos que nos dois casos continuamos tendo uma frase, embora de natureza diversa uma da outra.
As constatações que fizemos sobre o discurso escrito podem ser transpostas para o discurso oral. Quando pronunciados, os períodos seguem padrões definidos de entoação. Será esta uma característica importante para a conceituação de período, ou, a entoação é um reforço à informação de que o segmento é um período. Vale lembrar que os padrões de entoação servem, também, para distinguir entre tipos de frase que compõem o período, em especial, para diferenciar as interrogativas, das não interrogativas.
Fizemos esses questionamentos iniciais para abordar o problema presente nos dois enunciados a seguir:
No primeiro enunciado, em que temos apenas um ponto final, existe só um período. No segundo enunciado, com os segmentos delimitados por três pontos finais, temos três períodos. A partir do exemplo, vemos que, em alguns casos, o uso de delimitadores de início e fim é crucial para estabelecer o segmento como período. No exemplo dado, sem os delimitadores não temos como antecipar a proposta do emissor para segmentação do enunciado em períodos.
A conclusão é que, em alguns casos, a delimitação dos períodos de um enunciado é estabelecida pela vontade do emissor, em função de graus de liberdade que o enunciado oferece. Se o emissor considerar que as três frases do exemplo formam um conjunto concatenado, organiza-as num agrupamento maior, o período, e deixa isso claro para o receptor por meio dos sinalizadores de início e fim.
Por outro lado, se o emissor entender que as frases do enunciado não formam um grupo concatenado, faz uma distribuição diferente dos delimitadores de início e fim.
Não são todos os enunciados que oferecem mais de uma possibilidade de segmentação. Analise o exemplo a seguir:
Apresentarmos o enunciado sem os delimitadores de início e fim, mas mesmo assim será possível delimitar o período e suas frases, pois nesse caso só existe uma possibilidade de segmentação que produz enunciados aceitáveis.
Resumindo: os delimitadores de início e fim cooperam com outros elementos da estrutura sintática para estabelecer as unidades formais da sintaxe. Em alguns casos, são redundantes e, se subtraídos, mesmo assim será possível discernir qual é a segmentação correta do enunciado. Em outros casos, o uso dos delimitadores é crucial para determinar a segmentação proposta pelo emissor. Se forem subtraídos, surge uma incerteza que não se dissipada pela análise de outros elementos da estrutura sintática.
Uma característica básica das unidades formais sintáticas é que são enunciados completos. Isso quer dizer que as informações nelas contidas formam um todo consistente e que não se identifica a ausência de elementos necessários à compreensão. Quando ouvimos ou lemos uma frase bem formada, por exemplo, nosso entendimento não constata ausências que nos causam estranheza ou dificuldades na decodificação. Mas convém lembrar que a completude das unidades formais se dá na camada gramatical de análise e não na camada contextual. São diferentes entre si o enunciado gramaticalmente completo e o contextualmente completo. Por exemplo:
O primeiro enunciado pode ser considerado gramaticalmente completo, mas talvez seja insuficiente para satisfazer as necessidades de comunicação em contexto específico. O ouvinte pode perguntar: Vai onde? No entanto, se o ouvinte estiver imerso em um contexto em que sabe onde o emissor vai, a comunicação se dá satisfatoriamente.
O segundo enunciado é gramaticalmente incompleto, mas talvez seja suficiente para o receptor captar o sentido da mensagem. Gramaticalmente incompleto porque em português é necessário um sintagma substantivo após a preposição. A ausência desse sintagma gera estranheza ao receptor. Por outro lado, se o receptor souber pelo contexto onde é que o emissor vai, a comunicação acontece sem problemas.
As partes de um enunciado se interligam por uma rede de relacionamentos sintáticos. Uma das características das unidades formais sintáticas é que os relacionamentos se resolvem dentro dos limites da unidade, ou seja, as unidades são auto contidas do ponto de vista sintático e não dependem de elementos externos a elas para serem compreensíveis.
Dizer que um enunciado é bem formado é se referir a uma série de condições que devem ser satisfeitas para que a boa formação seja confirmada. Sem dúvida, existe uma enormidade de regras gramaticais que devem ser obedecidas para que um enunciado possa ser chamado de bem formado. Mas para nossa delimitação das unidades formais, a condição mais importante é a organização dos elementos sintáticos segundo modelos válidos da gramática do idioma. Em outras palavras: na unidade formal, podemos reconhecer segmentos de nível inferior, mas que pertencem ao nível sintático de análise, organizados segundo um dos modelos válidos da gramática do idioma. Não deve haver falta de elementos, nem excesso, nem conflito, nem problemas na ordem em que eles se distribuem, etc.
Tradicionalmente, sempre se despendeu esforço em determinar quais seriam os constituintes sintáticos essenciais da frase. O esforço resultou debalde, pois provavelmente, não existem tais constituintes. Existem sim, várias combinações de constituintes sintáticos que são reconhecidas como frase, no entanto, nessas combinações não conseguimos extrair uma regularidade universal ou componente essencial. Talvez a única característica universal que se pode atribuir às frases seja a de serem constituídas por uma combinação gramatical de constituintes sintáticos de nível inferior, entre os quais destacamos: sujeito, sintagma verbal, sintagma adjetivo, objeto direto, objeto indireto e sintagma adverbial.
Uma das condições para um enunciado ser uma unidade formal sintática é que não seja possível dividi-lo em dois outros segmentos em que os dois por sua vez, também sejam completos, autocontidos e sintaticamente bem formados.
Uma das dificuldades para a definição de frase e sintagma é a interdependência dos dois conceitos, o que dificulta a definição de um antes do outro. Só reconhecemos uma frase bem formada, ou aceitável, na medida em que identificamos os sintagmas que a compõe. Por outro lado, os sintagmas só são compreensíveis na medida em que são vistos como constituintes da frase.
Esse problema é milenar, tanto que na Gramática Tradicional define-se o modelo mais típico de frase como o enunciado que apresenta sujeito e predicado, ou ao menos predicado.
Observe o período a seguir:
Nesse exemplo, temos duas elipses, ou seja, a ausência previsível de algum item da frase. A primeira elipse é a ausência do pronome eu na frase tive sorte. A segunda elipse é a ausência deteve sorte na frase você, não. O período de exemplo pode ser parafraseado da seguinte forma:
A elipse do pronome eu é possível porque o sujeito da ação está implícito na flexão do verbo. Tive é flexão de primeira pessoa singular do verbo ter, o que é suficiente para determinar o sujeito da ação como sendo eu. A segunda frase do período de exemplo, tomada isoladamente, é inaceitável.
* Você, não.
No entanto, a elipse é permitida nesse caso porque os itens elididos foram citados na frase anterior. Trata-se de um caso particular de elipse, conhecido como zeugma.
A elipse é um recurso vastamente empregado em todas as variantes linguísticas e se constitui em um desafio para a teoria sintática. A teoria sintática se baseia na análise de frases completas. A elipse perturba a análise sintática porque não há como garantir, senão por especulação, como se deu a elisão de itens do enunciado
Em nossa análise, vamos nos focar em enunciados completos. Vamos considerar que a elipse é uma operação posterior à estruturação sintática da frase. Trataremos a elipse como uma operação além do nível sintático de análise.
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Por querer aperfeiçoar ainda mais os conteúdos linguísticos.