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Sociabilidade do discurso

Sociabilidade é a qualidade do discurso otimizado para o desempenho social. A seguir, algumas categorias a ela pertinentes.

Gíria

Gírias são palavras ou construções de uso corrente entre grupos sociais diferenciados, não raro marginais, e só nestes grupos. A gíria é um fenômeno antropológico. Nos grupos que a praticam, a gíria desempenha uma função especial: é a senha da confraria. Serve como marca de um grupo. Como via de regra, esses grupos são marginais na sociedade e assumem postura de afronta aos valores da maioria, a gíria torna-se estigmatizada. É obrigatória e apreciada no seio do grupo. Fora dele é rejeitada. A mesma segregação que a sociedade reserva ao grupo, reserva também à gíria do grupo.

A gíria não é léxico por dois motivos: primeiro porque não é praticada e nem aceita por toda a comunidade da língua. Segundo: sua permanência é duvidosa, embora seja comum a gíria ser assimilada pela sociedade quando o grupo que a pratica conquista aceitação ou ao menos tolerância. Nesses casos, a gíria se converte em léxico.

Palavra tabu

Palavra-tabu é aquela que as regras de conduta social estabelecem que não deve ser pronunciada, por vezes, em nenhuma ocasião, noutras só em ocasiões específicas ou por iniciados. É evidente que existem ocasiões em que as palavras-tabu são pronunciadas, pois, o usuário precisa conhecê-la para saber que não pode pronunciá-la.

Há palavras-tabu relacionadas à religião e outras à etiqueta. As relacionadas à religião são tabu porque se julga estarem impregnadas do sagrado ou só passíveis de uso por iniciados. As de etiqueta costumam se referir ao que se julga impuro, obsceno. Via de regra, a palavra-tabu é proibida por se referir a um assunto tabu.

A pronúncia de uma palavra-tabu se constitui numa transgressão de conduta reprovada socialmente. Esta reprovação tem uma escala variável de intensidade segundo o contexto em que se dá a transgressão, podendo chegar à punição.

Calão

Calão ou palavrão, ou termo chulo, é uma classe de palavras-tabu que se referem às práticas e tabus sexuais e ao que com isso se relaciona: coito, órgãos genitais, prostituição, o que se considera perversão, esperma, etc. ou à excreção biológica e o que com ela se relaciona: fezes, urina, pênis, ânus, vagina, latrina, etc.

A reprovação ao calão oscila numa escala que vai da tolerância à punição. A reprovação aumenta com a formalidade, a solenidade, a publicidade, a sublimidade do contexto do discurso. A tolerância aumenta com a informalidade, a intimidade, a privacidade do discurso.

Os sinônimos aceitos do calão: Geralmente, o calão tem um ou mais sinônimos que são usados como solução polida nas ocasiões em que o referente do calão está sendo abordado. Por exemplo: ao se tratar de anatomia usa-se ‘pênis’, ‘vagina’, ‘ânus’, sem constrangimentos. Quer dizer, o calão é uma palavra conotada, uma conotação negativa que seu sinônimo polido não possui.

O uso do calão como catarse: O uso do calão tem função expressiva para o alívio de tensões emocionais acumuladas. No contexto da sexualidade, o uso do calão tem papel de liberador da libido.

O xingamento com calão: Cada língua dispõe de uma série de palavras e locuções com calões usadas para xingar. Com elas, o aquele que xinga atribui ao xingado as características de impureza e perversão sexual tipicamente associadas ao calão.

O que determina que uma palavra seja conotada como calão e outra referencialmente sinônima ao calão seja aceitável mesmo em contextos formais? Numa análise sincrônica, a tendência é a de dizer que a qualificação como calão é arbitrária. Numa análise diacrônica, vê-se que geralmente a origem do calão difere da de seu sinônimo polido. Normalmente, o calão deriva da linguagem popular, da gíria; e seu sinônimo polido da linguagem culta, aristocrática.

Clichê

Clichê é o termo desgastado pelo uso excessivo na comunidade considerada. A qualificação de um termo como clichê é subjetiva. O que é clichê para um, pode não ser para outro. Clichê pode ser uma frase ou um fragmento de frase como por exemplo um substantivo e seu adjetivo, à qual se atribui um juízo estético negativo por julgá-la repetitiva e desgastada.

O que se julga como clichê não deve ser usado nos discursos. Uma questão vem ao se admitir a necessidade de eliminar o clichê do discurso: Frase feita é clichê?

Frase feita

Frase feita é a frase que consagrada pelo uso se lexicalizou. Ela se repete em contextos semelhantes sem alterações, exceto as de concordância sintática. Costuma ser exemplo de vivacidade popular na criação de ditos espirituosos.

A linha que separa o clichê da frase feita é tênue, em certos casos. No discurso espontâneo, a eliminação do clichê é difícil, tão impregnada deles está a língua. O critério da supressão do desgastado pode ser perigoso, pois não considera outros atributos de certos clichês como lirismo, humor, palpabilidade, atratividade, comunicabilidade, etc. Por outro lado, há clichês que são pedantes, de mau gosto, o que reforça a tese da eliminação.

Idioma padrão

Um quesito relevante à sociabilidade do discurso é a sua pertinência ou não às formas e estilo do idioma-padrão. O idioma sofre variações regionais, por classe social e por classe de escolaridade. Como regra, pode-se dizer que o idioma-padrão é o aceito pelos usuários mais escolarizados da classe socialmente dominante da região hegemônica. Aceitação não significa uso sistemático. Um usuário pode falar de um modo e julgar correto outro.

O idioma-padrão é cultivado na escola, no jornalismo mais sisudo, na literatura mais conservadora quanto a questões lingüísticas. É tutelado pelos gramáticos normativos, que geralmente se auto-investem em guardiões da pureza da língua.

Em sociedades política e socialmente fechadas, em que não ocorre intercâmbio cultural entre regiões e classes, há a tendência de o idioma padrão diferir significativamente das demais variantes. Nas sociedades atuais, com a penetração dos meios de comunicação e a freqüência mais generalizada à escola disseminou-se o idioma padrão para além das fronteiras onde é gerado. Há a tendência de ele substituir o regional e o popular.

É a existência do idioma-padrão que origina o estigma que acompanha as formas e estilos populares. Entenda-se por populares, o praticado pelas classes economicamente desfavorecidas e menos escolarizadas e que contrastam com o idioma padrão, embora sejam igualmente eficientes na função de comunicar.

Atribui-se o rótulo de certo para o idioma-padrão e de errado para o popular. Não só a classe que impõe o idioma-padrão pratica a rotulação como os próprios membros das classes populares, pois estes assimilam os padrões de excelência das classes hegemônicas.

Modismo

Modismo é uma forma ou estilo que num dado momento passa a ser usado intensamente. Como obedece aos mecanismos que regem as modas, seu uso segue uma curva de ascensão, apogeu e queda. A característica do modismo é a atualidade, que vem da sua associação a algum fato social em destaque. Quando perde a atualidade cai em desuso.

Jargão

Jargão é a palavra, locução, frase feita ou outro signo de uso restrito a um grupo reduzido. O jargão é típico dos grupos profissionais, culturais e intelectuais e sua maior característica é a especificidade. É de uso corrente no grupo para o qual o referente que representa tem alto valor cultural. Para o resto da comunidade da língua seu uso e conhecimento é uma raridade.

Estrangeirismo

Antes da incorporação definitiva ao léxico local, os estrangeirismos passam por um processo de acomodação, especialmente de prosódia e ortografia. Os estrangeirismos são adotados por razões diversas. Há casos em que fatos culturais novos não dispõem de termo próprio no idioma local, daí adotar-se o signo já usado no outro idioma. Existe o caso da influência cultural pelo intercâmbio constante. Existe a influência da cultura hegemônica sobre a satélite. A cultura satélite tende a prestigiar o que se relaciona com a cultura hegemônica.

A sociabilidade do estrangeirismo está associada à aceitação ou rejeição dos valores culturais da cultura externa de onde ele provém.

Arcaísmo

Arcaísmo é o signo de uso corrente no passado mas que por razões ligadas ao dinamismo da língua caiu em desuso. As conotações mais comuns que se agregam ao arcaísmo são a de pedantismo e caducidade.

Neologismo

Neologismo é o signo que se lexicalizou recentemente. As conotações que costumam a ele se agregar são negativas: elitismo, reformismo e positivas: modernidade, renovação.

O neologismo, por ser de incorporação recente, via de regra é pouco conhecido, o que torna problemático seu uso para o discurso público de largo espectro.

Protocolo

Protocolos são frases de uso cerimonial. Por exemplo: ‘Bom-dia’, ‘Ave, César’, ‘Quebre a perna’. Quando se diz ‘bom-dia’ a intenção nem sempre é desejar um bom dia ao receptor, mas apenas cumprir um cerimonial típico no estabelecimento do contato social.

As frases cerimoniais são típicas para dados usos no convívio social. A função comunicativa pode estar presente num protocolo, mas sempre em caráter secundário. Via de regra, o protocolo é frase feita. Ocorre sem variações, exceto as necessárias à concordância gramatical.

Os discursos administrativos sempre trazem exemplos fartos de protocolos. Ex.: ‘Nestes termos pede deferimento…’, ‘No aguardo de suas providências…’. ‘Meus protestos de elevada estima…’.

O protocolo precisa de uma análise semântica diferenciada, pois não significa do mesmo modo que os enunciados de uso comunicativo. No uso protocolar, a propriedade não está em evocar um objeto, mas em corresponder a um uso.

A origem dos protocolos comumente está no uso comunicativo. ‘Bom-dia’, por exemplo, se originou num enunciado comunicativo.

Liturgia: É um caso especial de protocolo. É o protocolo presente nos rituais. As liturgias existem em função de complexos mecanismos antropológicos. Por vezes julga-se que a liturgia tem o poder de invocar o sagrado. Noutras, julga-se que o uso da liturgia pode modificar a realidade. Também há casos em que se julga que o signo é a coisa em si.

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Radamés

Engenheiro curitibano pela UFPR, professor e produtor de conteúdos e ferramentas educacionais para a Internet.

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