Todo mundo consegue dar um exemplo de música brega, mas explicar o que é esse tipo de música não é tarefa simples. Para começar, brega não é um gênero musical, embora, seja costume associá-lo com ritmos populares como o sertanejo, o axé e, obviamente, o bolero, gênero oficial do corno. Esses dias eu estava com meu lado brega aflorado e comecei a fuçar no YouTube em busca dos clássicos dessa injustiçada modalidade musical. N
ada como o tempo para nos dar uma perspectiva mais equilibrada; montei a minha playlist do fino do brega (confira no final deste post) e cheguei à conclusão que os rótulos precisam ser periodicamente revistos, melhor ainda se nunca fossem usados. Playlist montada, a pergunta continuava a martelar minhas têmporas: o que é o brega e por que insistimos em usar esse rótulo pejorativo?
Você esteve ao meu lado
E roubou a minha paz
Hoje me serve de exemplo
Vou fugir enquanto é tempo
Você é doida demaisVocê é doida demais – Lindomar Castilho
O que é o brega?
Antes de responder, vamos fazer outra pergunta: Brega para quem? A origem do termo remonta à década de 1960, época em que certas músicas eram rotuladas de cafonas por segmentos da classe média. O termo brega surgiu na Bahia e originalmente designava um tipo de música tocado nas zonas de meretrício. Brega, então, era a música romântica de apelo popular que embalava as noitadas boêmias dos desiludidos no amor. Com o tempo, o termo passou a ser aplicado pela classe média e pelos críticos a todo tipo de música que reunisse características como:
- Melodrama. O derramamento sentimental, os exageros caricatos e lacrimejantes seriam indícios de breguice.
- Linguagem simplificada. A mensagem rapidamente assimilável, as rimas simples, o vocabulário básico e sem criatividade seriam indicativos do brega.
- Estrutura pobre. Melodias fáceis, arranjos pouco inspirados, ausência de ousadias formais; coisas do brega.
- Ingenuidade. Visões de mundo de pouco alcance, lugares comuns, desconhecimento das explicações abrangentes seriam breguices.
- Ausência de atitude. Falta de comprometimento com causas genuínas, alienação, escapismo: marcas bregas.
Isoladamente, nenhuma dessas características define o brega, até porque é possível encontrá-las também em músicas respeitáveis. De qualquer forma foi com argumentos desse tipo que segmentos com escolaridade crescente de uma classe média em formação começaram a impor um novo padrão de qualidade na música.
Nada contra essa busca incessante da qualidade não fosse o abismo social criado: de um lado os bregas e suas canções melosas e do outro a bossa nova, o tropicalismo, a música engajada, o rock e outros gêneros mais elevados. Infelizmente, os novos filtros da qualidade foram aplicados de forma indiscriminada prejudicando muitos que não mereciam ser lançados na vala comum da mediocridade.
Além disso, nas entrelinhas desse novo manual de qualidade se alojaram alguns preconceitos implícitos. Era como se frequentar a universidade fosse pré-requisito para fazer boa música, como se certas cores ideológicas fossem ingredientes fundamentais da qualidade; como se algumas atitudes e temas fossem vetados por conta de um moralismo carola.
Sorria meu bem, sorria
Da infelicidade que você procurou
Sorria meu bem, sorria
Você hoje chora
Por alguém que nunca lhe amou.Sorria, sorria – Evaldo Braga
Injustiças cometidas
Revisitando os clássicos do brega percebemos injustiças que nos dias de hoje seriam analisadas com olhos mais piedosos. Não coube ao Agnaldo Timóteo lançar a primeira música brasileira que falava sobre relações homossexuais? Qual o problema de Fernando Moraes confessar seu amor por uma cadeirante? Quer mais autenticidade que a do Odair José ao prometer que tiraria a namorada da zona? E o Sidney Magal que cantava rebolando não era um vanguardista de costumes?
Sabemos dos defeitos amplamente divulgados da música brega, mas algumas coisas me intrigam nos clássicos dessa modalidade. Não são eles que têm o poder satânico de penetrar em nossa cabeça a ponto de ficamos o dia inteiro repetindo aqueles refrãos hipnóticos? Já reparou que naquelas festas de empresa, nos casamentos onde se reúnem as gerações são os clássicos bregas que fazem todos tirar a bunda da cadeira e se esbaldar no salão como se fosse a última noite dos tempos?
Talvez hajam qualidades mal avaliadas no fino do brega. Poucas, pouquíssimas músicas conseguem a façanha de resistir à prova do tempo. Se algumas músicas brega entram nesse grupo seleto é porque devem ter algum encanto que rabugice nenhuma de crítico consegue embaçar.
A dor do amor é com outro amor
Que a gente cura.
Vim curar a dor deste mal de amor
Na boate azul.Boate azul – Joaquim e Manoel
O brega está em constante evolução. O fuscão preto está sendo ultrapassado pelo Camaro amarelo em uma sucessão interminável de novos hits. Algum dia a música brega vai desaparecer? No futuro, quando todos tiverem escolaridade elevada e gostos refinados teremos apenas música chique? Espero que não. Esse mundo ficaria muito chato.
O Ministério da Cultura adverte: Aprecie o brega com moderação. Em caso de uso contínuo um crítico deverá ser consultado.
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Nossa, o Fernando Mendes com sua “menina na cadeira de rodas” eu cantava a plenos pulmões. Mas hoje eu sou realmente rabugenta, e nem música mais eu ouço, até porque na minha cidade os bagunceiros de plantão fazem disputa de som de carro, para a cidade inteira ouvir, querendo ou não. E é muito pior, porque são aquelas do tipo: “que é isso, novinha”… O que é isso, gente? As letras são altamente pornográficas, e as músicas infernais. Por isso eu quase nunca ouço música de verdade, a não ser Gregorian de vez em quando, e MPB quando tenho tempo e silêncio suficientes.
Em tempo: eu gostava de todos eles, inclusive o Sidney Magal. E o Odair José foi o primeiro show ao vivo que eu vi, há milhões de anos… parece até que foi em outra vida.
Pois é. Isso mostra que os artistas bregas (para quem?) ainda estão na nossa lembrança e merecem no mínimo nosso respeito.