Contar uma história envolve técnica e arte. Vamos apresentar aqui vários elementos a se levar em conta na hora de criar uma narrativa.
Ficção: é o discurso narrativo ou representação ou fábula que nos remete a uma construção subjetiva em que figuram entidades, ações e situações que formam um todo organizado não veraz.
Universo ficcional: é uma criação subjetiva intuída a partir de uma ficção, formado por entidades, ações e situações formando um todo organizado e hipotético. O discurso narrativo ou representação ou fábula é o ponto de partida para a construção do universo ficcional, que não é dado em si, mas por aspectos. Podemos até imaginar o universo ficcional se estendendo para além de onde é possível ver pela janela do discurso. Mera divagação! O que extrapolamos para além dos dados do discurso é por nossa conta e risco, o que não deixa de ser saudável em certos casos. Se o discurso nos remete a um universo ficcional, em certos aspectos análogo ao universo objetivo, diremos que ele possui uma dimensão realista, o que para a narratologia é um atributo contingente.
Situação: é a ordem dos elementos do universo ficcional em dada coordenada de tempo ficcional.
Ação: são as mudanças que ocorrem no universo ficcional. A ação pode ter vários aspectos:
Ação cardeal: compromete a inteligibilidade da fábula, quando suprimida.
Proposição: é a tripla situação anterior, ação, situação posterior.
Episódio: é qualquer fragmento de narração formado por pelo menos uma proposição. Alguns tipos notáveis de episódio:
Núcleo narrativo: é uma parte da narrativa em que se prioriza a abordagem de determinado objeto. O tipo mais comum e notável de núcleo é o que se desenvolve em função de personagens. No romance Cem Anos de Solidão, de Garcia Marquez, por exemplo, há vários núcleos narrativos, cada um ligado a um dos personagens do romance. Nesse romance, o narrador acompanha a história de um personagem de cada vez.
Podemos dizer que isso caracteriza um núcleo. A peça teatral ‘Peer Gynt’, de Ibsen, em três atos, passa-se em três épocas, respectivamente: infância, idade adulta e velhice do protagonista. Cada ato se constitui num núcleo. Pode-se dizer que uma parte da narrativa é um núcleo, desde que nela seja preservada a característica da parte. Para não se enxergar núcleos e mais núcleos numa narrativa é preciso considerar apenas as priorizações de abordagem mais gerais. Não há uma baliza precisa para determinar que nível de generalização deve ser empregado para caracterizar um núcleo, por isso a determinação dele é uma questão subjetiva.
Fábula é o conjunto completo de ações e situações de uma narrativa, acrescido da compreensão das relações entre as partes desse conjunto.
Aristóteles foi o pioneiro no estudo da narratologia. Sua obra Arte Poética permanece até hoje como marco para a Retórica, a Mimética e para a teoria literária e teatral. Na Arte Poética, Aristóteles dá a receita da tragédia grega e lança os conceitos fundamentais da narratologia. A Arte Poética é um tratado de narratologia e também um tratado normativo de estética teatral. Aristóteles propôs um modelo de fábula que pode ser resumido em duas regras básicas:
Essas duas regras definem a fábula aristotélica. Para as outras questões da tragédia há outras definições.
Propp estudou a estrutura dos contos folclóricos russos e concluiu que eles seguiam algumas regras. Veja abaixo um resumo das regras:
Analisando a estrutura do conto proppiano, não podemos deixar de ver a sua semelhança evidente com o mito de Ulisses.
A narrativa de massa é um pressuposto metodológico. Não há de ser encontrada com todos os seus elementos de caracterização. Resume as características formais típicas da narrativa com largo espectro de aceitação, que vem sendo usada exaustivamente na literatura de massa e em outras modalidades narrativas. As características são:
Prólogo: É a parte inicial da narrativa em que é colocada a situação inicial.
Desencadeamento: Sucede o prólogo e é a parte em que ocorre a ação cardeal que determina as demais ações cardeais da fábula. É um momento de aumento de tensão que fixa a atenção do receptor em definitivo à narrativa.
Desenvolvimento: Sucede o desencadeamento. É a parte central da narrativa na qual ocorre a maioria das ações cardeais.
Complicação: É parte do desenvolvimento. Começa num dado ponto do desenvolvimento e com ele termina, imediatamente antes do clímax. É a parte em que se verifica intensificação contínua. As características que podem se intensificar na complicação são:
Clímax: É a parte da ação em que se dão as ações que resolvem o processo que se complicava. O clímax desata o nó que se apertava continuamente na complicação e que fora atado no desencadeamento.
Epílogo: Sucede o clímax. Insere a situação posterior a este.
A ordem de apresentação revela as ações e situações que formam a fábula. Uma fábula admite incontáveis ordens de apresentação.
É a característica de dois discursos narrativos ou representações que remetem à mesma fábula. A fábula subsiste além do discurso que a contém. Incontáveis discursos podem ser proferidos contendo a fábula de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca. Dificilmente outro discurso se igualará em qualidade ao realizado por Sheakespeare, mas todos equivalentes no potencial de portar a fábula sobre o príncipe.
Para tratar das questões narrativas de tempo, temos que considerar dois relógios: o da realidade e o do universo ficcional. O primeiro mede o tempo objetivo e o segundo o tempo fictício.
É justa se a duração da atualização coincidir com a duração da ação. Contraída se a duração da atualização for menor que a da ação e dilatada se ocorrer o contrário.
Para dizer se uma narrativa é justa, contraída ou dilatada é preciso supor que o tempo de atualização seja fixo e conhecido para todas as leituras, o que não ocorre. Contorna-se o problema supondo uma duração de atualização média, baseada no desempenho do leitor médio que executa uma leitura integral, vocalizada e dramatizada nos discursos diretos.
Narração em tempo real: é aquela que hipoteticamente ocorre paralela à ação. Há coincidência de época de ação com época de narração.
Narração pretérita: é a que supostamente ocorre após a consumação dos fatos narrados. O narrador a pratica livre das contingências do momento da ação, rememorando os fatos.
Questões de foco são as que dizem respeito às condições em que se dá o ato narrativo.
Narrador: é o suposto emissor do discurso narrativo, uma entidade imaginária que não deve ser confundida com o autor do discurso, embora seja comum este assumir o papel de narrador.
Narratário: é o hipotético receptor do discurso narrativo, entidade igualmente imaginária que não deve ser confundida com o receptor, embora seja comum o discurso destinar-se diretamente a ele.
Narrador e narratário são tipos especiais de personagens, mesmo quando não fazem parte da ação. Como personagens, podem ter história, aparência, caráter, ideologia e, no caso do narrador, principalmente estilo.
Há dois tipos de interação opostas do narrador com o universo narrativo. O primeiro é a condição de narrador-personagem.
Narrador personagem: está inserido no universo narrativo sobre o qual narra. Ele pode ser protagonista, personagem de pouca atuação ou apenas observador.
Narrador etéreo: não está inserido no universo narrativo: é como se vagasse no éter e as contingências do universo narrativo não o atingissem, nem ele tampouco pudesse interagir com este.
Do mesmo modo pode-se falar em:
Dramatização, ou discurso direto, é uma forma construtiva da narrativa que visa eliminar a figura do narrador, pondo o leitor em contato direto com o universo narrativo. Os recursos da língua para reproduzir o que se passa no universo narrativo limitam-se à reprodução de discursos e, precariamente, de sons não fonológicos. Daí o discurso direto ser a reprodução hipotética de diálogos, monólogos, pensamentos, cartas, pronunciamentos, manchetes, etc.
Compete a quem lê um discurso direto imaginá-lo como a voz dos personagens ou como a voz do narrador, reproduzindo a fala dos personagens. De qualquer modo, o objetivo é atingido: reproduzir sem filtragem o que se passa na cena.
É o grau de conhecimento que se tem sobre o que se passou, passa ou passará no universo narrativo. Podemos citar a ciência do narrador, do narratário, dos personagens, do leitor.
Tipos notáveis de ciência do narrador:
Onisciência: é a característica do narrador que não encontra limitações à sua ciência da narrativa.
Onipresença: é o atributo do narrador que não está atrelado a um ponto de vista que o limita, colocando-se sempre onde for mais conveniente aos objetivos da narrativa.
Defines-se pelas seguintes características:
Tem como principais características principais:
Vista é a hipotética condição de observação em que se dá o conhecimento da narrativa por quem a frui. Podemos falar em ponto de vista do narrador, do narratário, do personagem e do receptor.
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