O feminista e o galão de água mineral

Bebedouro de água mineral

Quando acabava a água no bebedouro do escritório não demorava até aparecer uma colaboradora proativa para resolver o problema:

— Será que não tem um homem forte nesta sala para virar o galão de água mineral?

Imediatamente, vão surgindo as desculpas:

— Estou com uma séria lombalgia.

— Tenho que terminar esse relatório urgente.

— Cadê o pessoal dos serviços gerais?

Algumas vezes eu já virei o galão, mas antes disso sempre pergunto:

— Será que nenhuma mulher moderna da sala se habilita a executar essa operação braçal?

Felizmente, lá no escritório existiam mulheres que viravam galão de água mineral. Infelizmente eram poucas; a maioria delas ainda torcia o nariz diante da tarefa, como se tudo que envolve esforço físico fosse coisa de homem.

Durante quase toda a História, as mulheres realizaram atividades que envolvem esforço físico moderado. Minhas avós, Judite e Sofia trabalhavam na roça, capinavam, tiravam água do poço, tratavam os animais, partiam lenha, debulhavam milho. Essa história de dizer que mulher não pode fazer esforço físico é invenção moderna.

Provavelmente, começou no pós-guerra com a proliferação dos aparelhos elétricos de uso doméstico. Com a eletricidade dentro de casa, algumas mulheres passaram a crer na ideia de que o máximo esforço que devem realizar é apertar botões. Juntando essa crença com a lógica da divisão de papéis e tarefas da sociedade industrial criou-se a cultura de que mulher faz algumas coisas e homem faz outras. Homem faz força e mulher faz limpeza. Com honrosas exceções, lá no escritório essa divisão continua em vigor. Uma mulher limpa o galão, passa álcool e um homem forte vira o galão no bebedouro.

Como homem feminista que sou, conclamo essas mulheres saudáveis e saradas das academias a galgarem um novo patamar da libertação feminina. A mulher do século XIX tinha deveres. a mulher do século XX tinha direitos, a mulher do século XXI tem direitos e deveres. Decididamente, a libertação da mulher passa por trocar um pneu e pagar a conta do motel.

Crédito de imagem: Submarino

P.S. Post scriptum

Escrevi esta postagem há um bom tempo. Nem sei se os galões de água mineral ainda são populares nos escritórios. Mas uma coisa mudou de lá para cá: Não me auto rotulo mais como homem feminista. O feminismo entrou em uma nova fase e não tenho mais lugar de fala. Quando me perguntam hoje (2020) o que acho do feminismo, simplesmente desconverso, virou assunto tabu para mim.

Desenvolvimento

3 pensou em “O feminista e o galão de água mineral

  1. Olha só, 13 anos se passaram dessa postagem, e já estamos em 2022, com as atualizações do colega em 2020. No escritório onde eu trabalho somos em 7 pessoas, e de masculino apenas eu, desconsiderando o patrão por questões de subordinação e idade. Aliás, não tem um filtro de água na parede porque o velho vive num mundo paralelo e arcaico, além de ser muquirana, é claro.
    Percebemos que existe uma cultura do comodismo e da preguiça formada, em que a desculpa de 90% das mulheres é: não tenho força, não é meu trabalho, tenho problema no braço, ataca meu ciático, ou, já existe homem pra isso.
    O mais engraçado aqui ainda é que são recepcionistas, secretárias e auxiliar adm., que não se atualizaram na vida e fazem a mesma coisa durante anos, e não mexem a bunda da cadeira para “arrastar” absolutamente nada, e quando alguma recebe ordens para levar mais do que uma simples caixa de arquivo, ainda pede ajuda para a outra porque sente-se encarregada de um serviço extremamente braçal para a capacidade motora dela.
    Obs. A que mais reclama vai na academia para bater foto no espelho e agachar a raba.
    Compartilho esse relato acima porque o contador da empresa aqui é pau pra toda obra, com muita boa vontade e que se encarrega de quase tudo nesse ambiente. Mas por que? Principalmente por ser homem e cercado dessas mulheres que se igualam à patas-chocas, rsrs.
    Abraços!!

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