Ser ecológico ou não, eis a questão

Nesta postagem vamos discutir algumas situações em que a dimensão ecológica colide com outras dimensões da vida. Qual deve prevalecer nesses casos?

Inovação x padronização

Os principais fabricantes de aparelhos celulares fecharam acordo em 2009 para adotar carregadores de bateria universais a partir de 2012. A ideia é permitir que o consumidor possa usar o mesmo carregador com qualquer celular que venha a comprar, independente de marca, modelo ou tipo. As vantagens do carregador universal são inúmeras: você não precisa comprar carregador novo quando troca de celular e pode emprestar o carregador para um colega que tem aparelho de outra marca.

Para o meio ambiente há vantagens, pois a adoção dos carregadores universais evitará a produção de milhares de toneladas de lixo eletrônico todo ano. Como as pessoas trocam de celular com muita frequência, acabam acumulando carregadores em perfeitas condições de uso, mas que se tornam inúteis por não forem compatíveis com o aparelho recém-adquirido.

A adoção do carregador universal de celular é um exemplo de como as coisas demoram a acontecer em função do emaranhado de interesses das empresas e do comodismo do consumidor. As grandes empresas de tecnologia não gostam de soluções padronizadas universais. Preferem impor seus próprios padrões para fidelizar o cliente e prejudicar os concorrentes pequenos. Já o cliente gosta de receber o aparelho com todos os acessórios necessários na caixa sem ter que se preocupar em comprar os acessórios separadamente. São más práticas que precisam ser combatidas com a melhoria de consciência do consumidor.

Não bloqueie a inovação. Quando as tecnologias amadurecem a padronização acontece naturalmente e é bem-vinda. Força-la na fase inicial da evolução, porém, é prejudicial para a inovação e eficiência.

Sem itens inclusos

Esses dias fui mexer na gaveta de sucata eletrônica lá de casa e encontrei alguns fones de ouvido para celular que não chegaram a ser usados e que perderam a utilidade porque foram desenvolvidos para um aparelho específico. Todo celular que você compra vem com itens inclusos como bateria, carregador, cabo USB e manual.

Ao comprar o segundo celular o consumidor bem que podia reaproveitar aqueles itens inclusos que vieram com o primeiro. Acessórios deveriam ser vendidos em separado para evitar desperdício e ajudar o meio ambiente. Usei o celular como exemplo, mas a ideia de acabar com os itens inclusos se aplica a boa parte dos bens que adquirimos.

Algumas pessoas se sentem mais realizadas quando adquirem um produto e percebem que a caixa está recheada de itens inclusos, mas a consciência ambiental exige outras visão. Isso nos leva à regra do pague só pelo que precisa. O limite dessa regra é a evolução tecnológica. A empresa não precisa continuar fornecendo produtos compatíveis com acessórios antigos se novas versões trazem ganhos de eficiência.

Acessórios devem evoluir. Reaproveitar acessórios é ambientalmente correto, mas querer acessórios padronizados e eternamente compatíveis emperra a evolução da tecnologia.

Dinheiro físico

É chato desmistificar velhas tradições, mas temos que falar dos cofres porquinho. Eles são ícones arraigados no inconsciente coletivo e tidos como poderoso instrumento de educação financeira das crianças. Mas vejam bem: o princípio básico do cofre porquinho é que para pegar o dinheiro que fica lá dentro você tem que quebrar o porquinho. É um bem descartável que não combina com a filosofia do reúso.

Quando colocamos moedas no porquinho, nós as tiramos de circulação por um longo período. Se todo mundo usasse cofre porquinho, a Casa da Moeda teria que multiplicar sua produção. Produzir moedas custa dinheiro, às vezes mais do que o valor impresso nelas. Prefiro ensinar aos meus filhos que pessoas econômicas usam bens reutilizáveis e que moeda foi feita para circular de mão em mão.

A questão que vem na sequência sobre dinheiro físico é se deveríamos extingui-lo definitivamente já que a tecnologia disponível permite operar apenas com dinheiro digital. No passado, eu considerava esse um caminho inevitável e desejável, mas os perigos de uma sociedade do crédito social me fizeram repensar a questão. Usar dinheiro físico, apesar de menos ecológico, é um direito do cidadão, uma forma não rastreável de dinheiro necessária para preservar as garantias individuais mínimas.

Moedas devem rolar. O dinheiro físico deve passar de mão em mão para cumprir sua função e deve continuar disponível para quem desejar utilizá-lo.

Descarte forçado

O que é melhor para o meio ambiente: usar os bens duráveis até não dar mais ou enviá-los para a reciclagem assim que se tornarem obsoletos? Ecologista que se preza anda com uma calculadora no bolso. Só assim, é possível responder a perguntas como essa que sempre aparecem em nosso dia a dia. Para decidir corretamente a hora de trocar um bem durável obsoleto é preciso manter-se afastado dos extremos. Em um deles está o consumismo e no outro a avareza. Como diria Aristóteles, a virtude está no meio.

Um bom exemplo de aparelho que fica obsoleto em tempo recorde é o telefone celular. Eles evoluem rapidamente mas esta evolução não justifica a troca acelerada dos aparelhos. No extremo oposto temos os automóveis. O carro é um bem de alta liquidez, ou seja, facilmente pode ser negociado e convertido em dinheiro. Automóveis vão passando de mão em mão e circulam por muito tempo desde que saem da concessionária. Eles só vão para o ferro velho quando já estão em avançado estado de decomposição. Carros velhos têm péssimo rendimento energético e chegam a consumir o dobro do que um modelo novo com melhor tecnologia.

A pergunta é quando devemos reciclar o bem? Governos costumam incentivar ou obrigar o descarte mais com intenções econômicas do que ambientais. A histeria pela renovação da frota retirando carros térmicos de circulação por carros elétricos é um caso emblemático. Não há garantias de que o carro elétrico tem vantagens ambientais folgadas sobre o carro térmico. Mesmo assim, em vários países a renovação forçada da frota está em curso.

O que é seu é seu. Descarte forçado de bens é uma solução ruim. O consumidor deve ter o direito de uso do que é seu, pois na maioria dos casos manter o bem até o fim da vida útil é a opção mais ecológica e socialmente justa.

Poucos filhos

Você pode adquirir hábitos sustentáveis como ir ao supermercado com sacola de pano ou pedalar na magrela para ir ao trabalho. Tudo isso é bom para o meio ambiente, mas algumas atitudes têm um peso realmente estratégico na preservação do ambiente. Provavelmente, a decisão de maior repercussão ambiental que você pode tomar na vida é a definição sobre quantos filhos vai ter.

As famílias brasileiras têm encolhido nos últimos anos. Minha avó Judite teve sete filhos, minha mãe Helena teve dois e minha esposa Áurea, também dois. No meu círculo de convívio conheço vários casais com filho único e alguns que não têm filhos. Caminhamos para uma realidade típica de países onde o tsunami populacional perdeu a força. Itália, Japão e China, por exemplo, já convivem com a redução populacional. No Brasil, nossa população ainda cresce, mas a previsão é de estabilização por volta de 2030.

Embora muitas pessoas atualmente considerem a redução populacional como uma bênção para o planeta há uma dimensão existencial na natalidade. Passamos da explosão populacional para o colapso e há um risco para a espécie nessa trajetória. Ter filhos é uma decisão pessoal que não deve ser forçada, mas os humanos também são natureza e tem um lugar no planeta.

Demografia sustentável. Uma taxa de natalidade de reposição é a solução de equilíbrio que concilia a proteção ambiental com a perpetuação da nossa espécie.

Ter carro e não usar

Cedo ou tarde todo mundo poderá ter um carro porque a renda aumenta e a tecnologia avança. E pode estar certo que quando esse dia chegar, tirando alguns poucos desprendidos, todos vão optar por ter seu belo carro. Nem precisa dizer que isso pode nos levar ao caos no trânsito e a uma tragédia ambiental, a menos que …

A menos que os carros fiquem a maior parte do tempo na garagem. A consciência ambiental evolui a passos de cágado. Vivemos na civilização da gasolina e as pessoas consideram o carro uma necessidade, embora ele seja mesmo uma comodidade e um símbolo de status. Diante disso, não adianta radicalizar. Em vez de pedir às pessoas que fiquem sem carro é melhor convence-las a reservar o carro apenas para os momentos necessários e significativos. Para ir ao trabalho: transporte coletivo; para passear com a família no final de semana: carro. Para correr para o hospital em uma emergência: carro; para levar o filho à escola todo dia: transporte escolar.

Algumas pessoas, em especial os jovens, optam por não ter carro e usam aplicativos. Essa tendência não é dominante e tem a ver mais com dificuldades econômicas de adquirir carro hoje em dia. Nesse contexto de uso reduzido a população aceitaria melhor iniciativas como fechar algumas áreas da cidade ao carro particular. Carro: use com moderação.

Uso essencial. O uso essencial do carro é uma ideia que vai de encontro a uma visão sobrevivencialista em que o carro é visto como item de segurança pessoal e autonomia.

Ambientalismo de resultados

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