O que é a classe média?

O que é a classe média, afinal?  Nessa hora penso naquela família dos comerciais de margarina em que temos um casal com dois filhos vivendo em uma casa confortável com todo o aparato tecnológico de bens. Há um carro médio seminovo na garagem; os filhos estudam em escola particular e todos têm a saúde protegida por um bom plano de saúde. Com alguma frequência a família de comercial de margarina vai ao restaurante e uma vez por ano viajam em férias. Ensino superior e até pós-graduação são comuns para os adultos desse grupo. Embora vaga, acredito que essa é a imagem da classe média para a maioria das pessoas. O governo federal, o mercado e os intelectuais, porém, têm definições distintas para esse segmento social.

Família margarina

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Critério Brasil

Atualizado para 2020

A ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) adota o Critério de Classificação Econômica Brasil, CCEP ou simplesmente Critério Brasil, para classificar as famílias por padrão de vida. Trata-se de um sistema de pontuação que considera indicadores de consumo. Por esse método, a classe média estaria concentrada nas faixas B e C do modelo. O resumo do cálculo pode ser visto nas tabelas abaixo.

Pontos associados à posse de bens

Item/Quantidade01234+
Banheiro0371014
Empregado doméstico0371013
Automóvel035811
Microcomputador036811
Lava louça03666
Geladeira02355
Freezer02466
Lava roupa02466
DVD player01346
Forno de microondas02444
Motocicleta01333
Secadora de roupa02222

Pontos associados ao grau de instrução do chefe de família

Escolaridade do(a) chefe de família Pontos
1 Analfabeto/Fund. I incompleto0
2 Fund. I completo/Fund. II incompleto1
3 Fund. II completo/Médio incompleto2
4 Médio completo/Superior incompleto4
5 Superior completo7

Pontos associados às condições de moradia

Serviço públicoNãoSim
Água encanada04
Rua pavimentada02

O Critério Brasil é usado em pesquisas de mercado e não adota a renda como referência, mas indicadores de renda. A preocupação maior do método ABEP, no entanto, é traçar perfis de consumo e, em função disso são selecionados os indicadores.

Faixas de renda pelo critério ABEP

ClassePontos deAtéDistribuição %Acumulado %Renda mensal média
A451002,5%2,5%R$ 22.717,00
B138444,9%7,4%R$ 10.428,00
B2293716,4%23,8%R$ 5.450,00
C1232821,1%44,9%R$ 3.042,00
C2172226,4%71,3%R$ 1.806,00
D-E01628,7%100,0%R$ 814,00

Governo petista

Na época do governo federal petista houve um esforço para definir formalmente a classe média brasileira, iniciativa que ia de encontro ao objetivo do governo de marcar a movimentação social do período. O governo brasileiro (petista na época) adotou em 2012 uma definição de classe média mais “generosa” ao incluir nesta faixa de renda famílias que ultrapassaram a linha da vulnerabilidade social e que, portanto, não precisariam ser beneficiadas por programas sociais como o bolsa família. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) definia na época sete grupos de renda:

GrupoRenda per capita R$Renda familiar mensal R$
Extremamente pobreAté 81Até 324
Pobre, mas não extremamente pobre81 a 162325 a 648
Vulnerável163 a 291649 a 1.164
Baixa classe média292 a 4411165 a 1.764
Média classe média442 a 6411.765 a 2.564
Alta classe média641 a 1.0192.565 a 4.076
Baixa classe alta1.020 a 2.4804.077 a 9.920
Alta classe altaAcima de 2.480Acima de R$ 9.920

No critério da SAE primeiro eram consideradas as faixas mais carentes, estabelecendo valores mínimos de renda que delimitam a miséria e a pobreza. A classe alta é definida como a parcela formada pelos 10% com maior renda. Por fim, a faixa de renda que está acima da linha de vulnerabilidade e abaixo dos 10% mais ricos é tratada como classe média.

A classificação da SAE tem o mérito de mapear melhor a condição das pessoas carentes, aquelas que estão na miséria (extremamente pobre) ou na pobreza (pobres e vulneráveis). Também acerta ao adotar um critério razoável para delimitar a classe alta. Outro ponto a favor do critério SAE é considerar renda per capita, pois as famílias têm diferentes tamanhos. Na tabela que apresentamos a renda familiar se refere ao tradicional grupo de quatro pessoas.

Uma das críticas à classificação da SAE é que ela foge à visão tradicional sobre a classe média. Pertencem à classe média famílias que no senso comum ainda são pobres e inclui na classe alta a maior parte das famílias que tradicionalmente reconhecemos como médias. Nessa nova visão, a família do comercial de margarina faz parte da elite.

A classificação do governo federal da época tratou como classe média os 50% da população que tem renda oscilando em torno da média nacional.  É a classe média real brasileira, enfim, mas está bem longe da classe média dos sonhos. Trata-se de uma classificação voltada para os interesses das políticas públicas do governo, tanto que não foi estabelecido um critério de atualização da tabela ao longo do tempo.

Renda x padrão de vida

Boa renda não é garantia de elevado padrão de vida. Existem diferenças de custo de vida entre regiões e as pessoas têm acesso diferente a benefícios que não costumam ser computados como renda. Vamos exemplificar imaginando duas famílias típicas de quatro integrantes: Os Silva que vivem em uma grande capital com alto custo de vida e os Santos que vivem em uma cidade média do interior.

A renda bruta da família Silva é de R$ 10.000,00 por mês, dos quais mais de R$ 1.900,00 são retidos na fonte pelo leão do imposto de renda. Os dois filhos do casal estudam em escola particular (R$ 750,00 de mensalidade para cada um) e a família gasta mensalmente R$ 600,00 com plano de saúde. Preocupado com o futuro, o Sr. Silva gasta mais de R$ 500,00 por mês com um plano de previdência complementar. Na grande capital o custo de vida é alto; a prestação do financiamento da casa própria é salgada; uma saída para o lazer familiar custa caro e os gastos com transporte são elevados.

A renda bruta dos Santos que vivem no interior é de R$ 5.000,00. O Sr. Santos entrega mais de R$ 500,00 todo mês ao leão do imposto.  Por sorte, a empresa do Sr. Santos subsidia um bom plano de saúde para sua família e ele desembolsa apenas R$ 100,00 com o plano. Os dois filhos da família Santos estudam em uma boa escola pública, coisa rara existe no Brasil, mas que existe em algumas ilhas de excelência. O lazer na cidade da família Santos é mais barato do que nas grandes capitais e os imóveis não são caros. Na cidade da família Santos tudo fica pertinho e não se gasta muito em transporte.

Em resumo, a renda bruta da família Silva é o dobro da família Santos, mas ambas desfrutam praticamente do mesmo padrão de vida.

Renda mensal x renda anual

O brasileiro está acostumado a pensar em renda mensal. Isso funciona para quem tem um salário como fonte principal de renda. Mesmo assim, acabamos esquecendo de computar os ganhos extras como 13º salário, adicional de férias, abono de PIS, participação de lucros na empresa, etc.  Além disso, os assalariados costumam ter dissídio anual. Para outras modalidades de renda o valor mensal sequer faz sentido. Agricultores dependem da safra para faturar, empresários enfrentam sazonalidade nos seus negócios e por aí vai. O ganho anual é a melhor maneira de expressar renda considerando que quase tudo na vida segue ciclo anual.

Classe média americana

Para comparação, veja uma classificação por faixa de renda das famílias dos Estados Unidos. Lá como aqui existem várias classificações e selecionei uma delas disponível na Wikipedia. (Dados de 2015)

ClasseRenda anual em US$
Classe alta (Upper class)Mais que 200.000
Classe média alta (Uper middle class)62.500 a 200.000
Classe média (Middle class)32.000 a 62.500
Classe média baixa (Lower middle class)15.000 a 32.000
Classe baixa (Lower class)Menos de 15.000

Classificações ideológicas

Para a filósofa Marilena Chauí, a classe média é uma abominação. Simples assim. Nesse caso, temos uma classificação que não é baseada em renda, mas em perfil ideológico. Para a filósofa petista, a classe média seria um grupo de pessoas de bela renda que embora não faça parte da elite, reproduz sua ideologia e tem as mesmas aspirações da classe imediatamente acima na hierarquia social. A visão de Marilena Chauí de classe média de certa forma se aproxima do estereótipo do burguês, entidade odiada pelo esquerdismo raso e que tem como cacoetes o preconceito contra pobres, nordestinos, negros, minorias; que pratica ativamente a segregação de classes; que reverencia a cultura americana; que é conservadora em costumes e na política; que vive em conforto material por conta das funções que exerce na cadeia produtiva, geralmente em funções de colarinho branco a serviço dos interesses da elite.

De modo geral, as abordagens sobre classe média entre os pensadores de esquerda não são muito lisonjeiras, embora esses pensadores geralmente pertençam à classe média.  A Marilena Chauí fica fora dessa conta, pois na condição de professora titular da USP se enquadra na faixa de renda da classe alta brasileira. Uma análise isenta, porém, nos revela que a classe média antecipa tendências.  No passado, ela foi o suporte eleitoral que permitiu ao PT ganhar musculatura em uma época que os pobres não votavam em Lula. Atualmente, a situação se inverteu: a classe média, na sua maioria, abandonou o PT e, por conta disso passou a ser tratada como abominação.

Por fim

Passei minha infância e adolescência em uma família da classe C (chamada de nova classe média pela SAE). Depois de formado, passei lentamente à condição de classe média remediada, o que me leva a crer que a mobilidade social já existe no Brasil há bastante tempo. Ao ver a classificação da SAE para as classes sociais inicialmente fiquei eufórico com minha ascensão instantânea à classe alta, mas rapidamente farejei ali uma tentativa de dourar a realidade e conter pressões por programas sociais mais ousados. Continuo achando que sou um remediado querendo atingir o nirvana dos comerciais de margarina. Não me sinto uma abominação. Espero que mais e mais brasileiros ingressem na classe média. Para isso acontecer, ações de governo são importantes, mas o que realmente faz a diferença é arregaçar as mangas e trabalhar bastante. É o que fizeram meus pais, é o que fazemos nós e assim farão meus filhos.

Política

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