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Crítica | Crepúsculo dos deuses

A estrela cadente e o Joâo Ninguém

Sunset Boulevard
Direção de Billy Wilder
1950 : EUA : 110 min : preto e branco
Com William Holden (Joe Gillis)
Gloria Swanson (Norma Desmonds) e
Erich Von Stroheim (Max)

Quem conhece o diretor Billy Wilder a partir de suas deliciosas comédias, pode pensar que Crepúsculo dos deuses nem seja obra dele. Embora alguns vejam toques de humor negro no filme, trata-se de um drama melancólico com uma visão dura, duríssima, sobre a decadência e o fracasso. A história tem fim trágico, mas não há problema em revelar isso, afinal o filme começa com um cadáver boiando na piscina e depois regride no tempo para contar como tudo aconteceu.

Relacionamento de interesses

Um roteirista de cinema desempregado é perseguido pelos cobradores que querem tomar o seu carro. Fugindo das dívidas, Joe Gillis (William Holden) acaba por acaso na mansão em que Norma Desmonds (Gloria Swanson), ex-estrela de cinema, vive reclusa. Os interesses se cruzam e Joe acaba se tornando roteirista da ex-atriz em um projeto dela para retornar às telas. Só que aquilo que começa como uma relação profissional e oportunista evolui para um relacionamento complexo e dramático. Para complicar a situação, temos o mordomo Max que desempenha um papel chave na trama.

Norma Desmonds é uma mulher de meia idade, muito rica, que conheceu o estrelato na juventude, durante os tempos do cinema mudo. Mas o tempo passou para ela e o cinema passou por uma revolução. Norma agora vive reclusa em um mundo fechado, totalmente dedicada ao culto de seu passado de estrela. Ela não consegue aceitar a realidade e comporta-se como se ainda fosse uma estrela temperamental. É arrogante, manipuladora e autoritária. Fala com as pessoas como se estivesse representando um papel em um de seus filmes. Seu apego ao passado e a incapacidade de enfrentar a decadência transformam Norma em uma figura patética e frágil. Construiu um muro de isolamento à sua volta e talvez mereça a solidão em que vive.

O sucesso é para poucos

Joe Gillis é um roteirista que não conseguiu decolar na carreira e já pensa em mudar para uma profissão menos glamourosa e mais prosaica. Joe é um fracassado, mas tem alguma dignidade. É um oportunista, embora sinta-se mal sempre que tem de praticar atos sórdidos. Ele gostaria mesmo é de fazer sucesso pelo talento, mas parece que falta-lhe alguma coisa para chegar lá. A frustração faz de Joe um homem entediado e sem perspectiva.  

Em alguns momentos o filme parece noir, principalmente quando Joe, que é o narrador, faz seus comentários ácidos. Ao conhecer Norma, ele vê a chance para resolver alguns problemas financeiros. Então, Norma o envolve em seu mundo e a contra gosto ele se deixa manipular. Isso por um certo tempo até que uma crise de identidade o faz repensar a vida.  E aí o caldo entorna.

Max, o mordomo, é ao mesmo tempo protetor e carcereiro de Norma. Protege a patroa contra o mundo real e cuida dela nos momentos em que ela entra em depressão. No entanto, alimenta a insanidade da ex-estrela, a quem idolatra.

Cinema sobre cinema

Crepúsculo dos deuses é cinema falando sobre cinema. Alguns de seus personagens são figuras reais como o diretor Cecil B. DeMille, que representa a si mesmo. A meta arte (arte que fala sobre si mesma), costuma dar maus resultados, mas não é o caso de Crepúsculo, pois o filme não gira em torno do umbigo do artista. É uma história universal sobre a decadência que calhou de ter artistas como personagens. Isso faz sentido porque o artista de cinema é um dos que mais sofre com a decadência e o competitivo mundo do cinema costuma deixar muitos na soleira da porta amargando o fracasso ou o esquecimento.

O final do filme é surreal. Um ato insano pode ser o último recurso de quem quer ter uma última vez os holofotes sobre si. Para alguns, a decadência chega bem cedo, para outros demora um tanto, mas vem para todos. Billy Wilder nos mostra como é trágico não saber aceitar a decadência. Como custa caro não se preparar para o dia que sucede a fama. O glamour dos holofotes é fugaz e a competição é implacável. A história de Norma se repete cada vez que uma estrela cadente risca o céu.

Marcante

  • A vida e a arte se misturam. Gloria Swanson foi estrela do cinema mudo, Erich Von Stroheim dirigiu filmes e Billy Wilder teve seus dias de roteirista fracassado na juventude. Cecil B. DeMille, da Paramount, representa a si mesmo no filme e dirigiu Gloria Swanson na época do cinema mudo. Os amigos de Norma no filme eram realmente atores do cinema mudo como Buster Keaton, que faz ele mesmo. Onde termina a realidade e começa a ficção?
  • Interpretação na interpretação. O desafio de Gloria Swanson foi representar uma atriz que vivia em um mundo de sonho e agia em seu cotidiano como se estivesse no set de filmagem. Norma Desmonds é exagerada como suas atuações. Ela procura expressar suas emoções sem recorrer a palavras, como se a vida fosse um filme mudo.

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