East of Eden
Direção de Elia Kazan
1955 : EUA : 115 min
Com James Dean (Cal),
Julie Harris (Abra),
Raymond Massey (Abram) e
Jo Van Fleet (Kate).
Tudo em Vidas Amargas é repleto de significação, a começar pelo título original (East of Eden) que nos remete à história bíblica de Abel e Caim. Mas não pense em encontrar o bom e o mau irmão nos moldes bíblicos, porque nesse filme as fronteiras entre o bem e o mal são muito difusas, como na vida real.
Vidas Amargas é um filme sobre conflito de gerações, mas que vai muito além disso. É uma obra densa com personagens complexos e outros temas estão lá: o impacto da tecnologia; a transformação que a guerra traz à vida de uma pequena comunidade; a solidão; a perda da inocência; o conflito entre alinhados e desajustados; entre formais e viscerais; entre certinhos e malandros; e por que não dizer: entre o bem e o mal.
A história se passa entre duas cidades próximas: Salinas e Monterrey. Duas cidades, dois estilos. Salinas é agrária e conservadora. Monterrey é comercial e, de certa forma, liberal. O jovem Cal (James Dean) mora em Salinas, mas é em Monterrey que descobre a verdade sobre o seu passado. A descoberta o leva à conclusão terrível de que o mal se transmite pelo sangue e que seu comportamento é herança de sua mãe, que imaginava morta há muito tempo.
Cal tem problemas de relacionamento com seu pai, ao contrário de seu irmão Aron, que é o queridinho do velho Adam Trask (Raymond Massey). Vidas Amargas gira em torno da busca desesperada de Cal pelo afeto do pai. No final, as cartas são postas na mesa e o valor de cada um se revela pela adversidade.
O velho Adam é um fazendeiro empreendedor e entusiasmado com as novas tecnologias. Formal e muito rígido com todos, o patriarca não aceita o comportamento rebelde do filho Cal e deixa isso muito claro na preferência que dá a Aron, o outro irmão, que em tudo se parece com o pai. Os tempos são difíceis e Adam tem que enfrentar o fracasso. Aos poucos, entendemos que seu relacionamento difícil com Cal é continuação e conseqüência do seu passado, quando teve uma relação conturbada com a mãe de Cal.
A cafetina Kate quer distância do seu passado. Amarga e calejada, ela vive em um mundo de sombras consumida pelo vício. A aproximação de Cal a deixa em pânico, mas aos poucos ela percebe que Cal é um garoto de potencial e que se parece com ela em muitos aspectos.
A jovem Abra (Julie Harris), namorada de Aron, é a ponte entre dois mundos e, provavelmente, retrata as garotas da década de 50: meigas, sensíveis e maduras, mas divididas entre a rebeldia e as boas maneiras. Abra vive em um mundo saudável, mas com os dias contados e percebe a chegada do futuro desconhecido e incerto.
Divide-se entre o instável e sedutor Cal (Dean) e o sólido e confiável Aron. Sabemos como pode ser perigoso ficar entre esses dois pólos. Esperava-se das mocinhas naquela época disciplina e valores inabaláveis e não era fácil para Abra escolher um lado nas disputas da família Trask. É claro que na vida nem tudo dá certo. O conturbado pode se tornar confiável e o sólido pode ficar muito conturbado.
Sempre andando pelos cantos, olhando de lado, virando as costas às pessoas, Dean constrói seu personagem de forma inconfundível. Cal é o adolescente lutando por afirmação, reconhecimento e afeto. Sem dúvida, Dean soube como ninguém encarnar o jovem rebelde, mas carismático; revoltado, mas carente; problemático, mas promissor. O personagem de Dean exala inquietude e energia reprimida. Vidas Amargas foi o primeiro dos três longas em que James Dean atuou antes de sua morte trágica num acidente automobilístico. Graças a esses três filmes tornou-se um mito do cinema e da cultura do século XX.
Vidas Amargas prenuncia o conflito de gerações que será exaustivamente tratado pela arte nos anos seguintes. É um dos primeiros filmes que tocou os adolescentes de forma autêntica. Algo estava errado na sociedade americana e Kazan anunciou a crise. Alguns anos mais tarde viriam a contra cultura, o rock, os hippies e tudo mais que os jovens fizeram para se rebelar contra uma sociedade autoritária onde eles não tinham voz.
Elia Kazan concebeu Vidas Amargas a partir do romance A Leste do Éden, de seu amigo John Steinbeck (Nobel de Literatura), que participou da produção como consultor. Tanto Steinbeck como Kazan tiveram experiências de vida envolvendo conflitos entre pai e filho, o que acrescenta credibilidade à história. Quanto a James Dean, ninguém melhor que ele encarnou o jovem rebelde sem causa.
Quando o filme foi rodado, corriam os anos da Guerra Fria e o próprio Kazan se meteu em encrenca ao delatar companheiros de Hollywood à comissão macartista do congresso americano que investigava atividades anti americanas no país. Isso lhe custou transtornos para o resto da vida. Talvez os percalços de Kazan tenham contribuído para a mensagem que o filme nos deixa: não há pessoas absolutamente boas ou más. Os maus podem ter momentos de grandeza e os bons podem decair. Mais ainda: os maus podem se tornar bons e vice-versa. Tudo depende de para onde sopram os ventos do destino.
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