Os sons da fala são classificados desde a Antiguidade em dois grupos principais: vogais e consoantes. Vogais são os sons da fala que ocorrem quando o fluxo de ar percorre o aparelho fonador livre e continuamente, sem causar turbulência ou enfrentar obstrução temporária. Quando o fluxo de ar provoca turbulência no aparelho fonador ou encontra uma obstrução temporária, teremos a emissão de consoantes.
A emissão de uma vogal específica requer o posicionamento de várias partes do aparelho fonador. A língua se move dentro da boca para frente e para trás, para cima e para baixo. Os lábios podem ficar distensos ou arredondados. O véu que fica no fundo da boca pode ficar elevado ou rebaixado, com isso permitindo que parte do fluxo de ar saia pela cavidade nasal.
A combinação de todas essas possibilidades de posicionamento permite a produção um número indefinido de vogais. Vamos detalhar melhor essas possibilidades de posicionamento do aparelho fonador que influem na emissão de vogais. Dessa forma, estaremos descrevendo as vogais do ponto de vista articulatório.
Frontal – central – posterior
Durante a emissão de uma vogal, a língua pode estar posicionada para frente da cavidade bucal, pode se colocar na parte mais central da boca ou recuar para o fundo na direção do véu palatino. O deslocamento da língua nesse eixo horizontal é contínuo, mas os foneticistas estabelecem três posições referenciais para a descrição das vogais: frontal, central e posterior. A posição frontal é a mais avançada possível em direção à parte frontal da boca e a posterior, a mais recuada possível em direção ao fundo da boca. A posição central fica equidistante em relação às duas posições extremas.
Fechada – semi-fechada – semi-aberta – aberta
A língua se movimenta para cima e para baixo de forma contínua. Esse posicionamento é fundamental para a determinação da qualidade da vogal. Quando a língua está rebaixada, o canal para a passagem do fluxo de ar se alarga. Quando a língua se levanta em direção ao palato, o canal se estreita. Os foneticistas estabelecem quatro posições referenciais da língua no eixo vertical do aparelho fonador: fechada, semifechada, semiaberta e aberta.
A posição aberta corresponde ao máximo rebaixamento da língua e, consequentemente, ao canal mais aberto para o fluxo de ar. A posição fechada corresponde à máxima elevação da língua que não restringe o fluxo de ar. Nessa posição, o canal para a passagem do fluxo é o menor possível para a emissão de vogais.
Arredondada – distensa
O posicionamento dos lábios influi na qualidade das vogais. Os foneticistas definem duas posições referenciais nesse caso: arredondada e distensa, que correspondem a dois extremos de movimentação dos lábios. Na situação distensa os lábios estão relaxados em forma amendoada. Na condição arredondada, os lábios se contraem criando uma passagem arredondada para o fluxo de ar.
Oral – nasal
Durante a emissão de uma vogal é possível rebaixar ou elevar o véu palatino. No caso de este ficar elevado obstruindo a passagem para a cavidade nasal, o fluxo de ar será todo canalizado para a boca. Teremos vogal oral. No caso de o véu se rebaixar, uma parte do fluxo de ar vai subir para a cavidade nasal, alterando a qualidade da vogal. Teremos vogal nasal.
Trapézio vocálico
Para a emissão de vogais, o ápice da língua se desloca no interior do aparelho fonador tanto no eixo horizontal como no eixo vertical. Deslocando-se na horizontal, a língua vem para frente ou recua para o fundo da boca. Ao deslocar-se na vertical a língua sobe ou desce. Se mapearmos todas as posições que o ápice da língua pode assumir enquanto faz seus deslocamentos chegaremos a uma área cuja forma lembra um trapézio com a base menor para baixo. É o que os foneticistas chamam de trapézio vocálico.
Aparelho fonador e trapézio vocálico.
Vogais cardeais
Os foneticistas identificam no trapézio vocálico algumas vogais notáveis, aquelas que ficam em posições estratégicas do trapézio. Essas vogais notáveis, chamadas de cardeais, servem de referência para a descrição dos sons da fala. Isso não quer dizer que tenham alguma importância subjetiva no contexto dos idiomas do mundo, embora sejam as mais comuns nos fonemários desses idiomas. Veja no quadro a seguir as vogais cardeais definidas pela IPA. Para condensar a representação, foi adotada a seguinte convenção: quando temos duas vogais ocupando o mesmo ponto no trapézio, a da esquerda é a distensa e a da direita é sua correspondente arredondada.
Fonte: IPA International Phonetic Association (http://www2.arts.gla.ac.uk/IPA/index.htm)
Se quisermos descrever todas as vogais possíveis, temos que considerar as variações que vem dos demais posicionamentos do aparelho fonador como distensão/arredondamento e oralidade/nasalidade. Uma representação gráfica exaustiva das vogais exige o uso de vários trapézios vocálicos, cada um mostrando uma possibilidade diferente de combinação como oral-arredondada, oral-distensa, nasal-arredondada ou nasal distensa.
Número de vogais
Os trapézios vocálicos nos dão uma ideia das possibilidades de realização de vogais permitidas pelo aparelho fonador. Todas as vogais acontecem dentro da área contínua do trapézio, o que nos leva a crer que o número de vogais possíveis é indefinido e bastante alto. No entanto, há uma limitação a considerar. Vamos imaginar as vogais como pontos dentro do trapézio vocálico. Se marcarmos dois pontos no trapézio e medirmos a distância que os separa, vamos ter uma ideia da diferenciação acústica entre as duas vogais consideradas.
Quando a distância entre os pontos é grande, as vogais são acusticamente bem distintas. O ouvido não terá problemas para discriminar entre uma ou outra. Por outro lado, se a distância entre dois pontos no trapézio for pequena, as vogais representadas por esses pontos terão propriedades acústicas muito próximas, pois as condições de emissão são bem semelhantes. Não será fácil para o ouvido médio discriminar entre uma ou outra.
O número de vogais possíveis depende da capacidade de discriminação do ouvido humano. O aparelho fonador opera em uma faixa contínua de possibilidades. No entanto, se os parâmetros de emissão forem muito semelhantes para duas vogais, corre-se o risco de o ouvido não captar as sutilezas acústicas que as distinguem.
Limitação das possibilidades
Nem todas as combinações de parâmetros são possíveis. Por exemplo: não é possível emitir uma vogal aberta apresentar máximo avanço frontal. Isso decorre de um impedimento anatômico do aparelho fonador. Com o máximo avanço frontal só conseguimos emitir vogais fechadas. Da mesma forma, as vogais baixas e posteriores são emitidas com lábios mais distensos não ocorrendo um arredondamento máximo nesse caso.
Semivogais
As semivogais são derivadas de vogais emitidas em condições específicas que lhes dão características acústicas diferenciadas. Basicamente, uma semivogal acontece quando fazemos uma emissão vocálica na adjacência de outra vogal que funciona como núcleo da sílaba. A semivogal tem uma característica acústica reduzida em função de gravitar em torno da vogal nuclear da sílaba.
Percebemos mais claramente as diferenças entre vogal e semivogal se alongarmos a pronúncia de sílabas que contem semivogal. O alongamento se dará na vogal e não na semivogal como na frase:
É goooooooooooooooooool.
É do Brasiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiil.
Na frase do exemplo o alongamento se dá nas vogais /ô/ da palavra gol /gôw/ e /i/ da palavraBrasil /bráziw/. A semivogal /w/ presente nas duas palavras não é alongada. Se fosse, teríamos uma mudança fonológica nas palavras que causaria a criação de uma nova sílaba.
Tradicionalmente, já se firmou entre os foneticistas a tendência para considerar semivogais como entidades diferenciadas das vogais. Esse procedimento é apenas uma convenção que remete a tradição histórica. Não haveria problema em se considerar as semivogais como vogais que não estão funcionando como núcleo silábico.
Características primárias e secundárias
Uma vogal se define por um conjunto de parâmetros articulatórios e acústicos. Os parâmetros que costumam ser tratados como primários pelos foneticistas são três:
- Posicionamento da língua no eixo horizontal: frontal – média – posterior.
- Posicionamento da língua no eixo vertical: Aberta – semi-aberta – semi-fechada – fechada.
- Arredondamento dos lábios: arredondada – distensa.
Esses três parâmetros são complementados por outras variações. Em português, a passagem ou não do ar pela cavidade nasal é importante, pois usamos vogais orais e nasais. Em alguns idiomas, a duração da vogal é relevante para o sistema fonológico, em outras, o tom da vogal pode ter valor distintivo. Poderíamos chamar essas características adicionais de secundárias. Não existe nenhuma razão objetiva, no entanto, para classificar as características em primárias e secundárias. As razões, se existem, são de caráter histórico. Talvez se os estudos linguísticos ocorressem com maior intensidade em países cujo idioma tivesse característica tonal, o tom seria tratado como característica primária.