A abundância de recursos retóricos é característica da maioria dos tratados de Retórica, inclusive este. Provavelmente, em função dessa abundância e da disparidade entre os recursos retóricos, houve, tradicionalmente, considerável dispêndio de esforço para classificá-los. Em alguns casos, esse dispêndio drenou toda a atenção dos retóricos, e o que deveria ser uma prática acessória tornou-se principal escopo da Retórica.

Para fins de análise, consideremos três classificações notáveis: a tradicional, a de Todorov e a do Grupo Nü. Tomamos a classificação dada por Hênio Tavares como sendo a tradicional. A de Todorov e a do Grupo Nü são classificações matriciais.
O traço comum das três classificações é o estabelecimento de uma analogia entre Retórica e Linguística, o que se pode observar no quadro de correspondências abaixo:
Nível lingüístico | Tradicional | Todorov | Grupo Nü |
Fonológico | Figuras de palavra | Som/sentido | Metaplasmo |
Sintático | Figuras de construção | Sintaxe | Metataxe |
Semântico | Tropos | Semântica | Metassemema |
Supra-sintático | Figuras de pensamento | Signo/referente | Metalogismo |
A relevância e a pertinência da analogia entre Linguística e Retórica parece inegável. Os problemas com este critério são de consistência. Analisemos os casos da alusão, da antanáclase, da comparação e do pleonasmo.
- A alusão para Tavares é figura de pensamento, para Todorov, é anomalia semântica e para o Grupo Nü é Metalogismo de supressão-adjunção.
- Para Tavares, a antanáclase é figura de construção, para Todorov, é anomalia semântica e para o Grupo Nü é metassemema.
- A comparação para Tavares é figura de pensamento, para Todorov, é figura semântica e para o Grupo Nü é metassemema.
- O pleonasmo para Tavares é figura de construção, para Todorov, é anomalia semântica e para o Grupo Nü é um metalogismo de adjunção.
O quadro a seguir mostra como cada classificação faz a correspondência dos recursos com as categorias lingüísticas:
Recurso | Tavares | Todorov | Grupo Nü |
Alusão | Supra-sintático | Semântico | Supra-sintático |
Antanáclase | Sintático | Semântico | Semântico |
Comparação | Supra-sintático | Semântico | Semântico |
Pleonasmo | Sintático | Semântico | Supra-sintático |
O exemplo do pleonasmo é o mais eloquente. Tradicionalmente, é um recurso de sintaxe. Todorov o considera semântico e o Grupo Nü, supra sintático. O conceito designado por pleonasmo é o mesmo nas três classificações. Então, por que a divergência? O problema está na inconsistência do critério.
Quando ocorre como repetição, o pleonasmo se manifesta no plano sintático, logo, Tavares está certo. Se ocorrer como redundância, manifesta-se no nível semântico, logo, Todorov está certo. Mas se ocorre como repetição de mensagem, o pleonasmo se manifesta no plano supra sintático, logo, o Grupo Nü está certo.
Em resumo, o pleonasmo cabe em qualquer uma das três classes e o critério de analogia com a Linguística não é consistente.
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