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Crítica | Os sete samurais

Honra de miseráveis


Shichinin no samurai
Direção de Akira Kurosawa
1954 : Japão :  206 min : branco e preto
Com Takashi Shimura (Kambei Shimada),
Toshiro Mifune (Kikuchiyo) e
Seiji Miyaguchi (Kyuzo)

Aprendemos a ver os samurais como uma versão japonesa dos cavaleiros andantes, como guerreiros obcecados pela honra, pelo aperfeiçoamento de suas habilidades e imbuídos de nobres ideais. Assim como os cavaleiros andantes, os samurais tiveram seu tempo até que o mundo deles começou a desmoronar. Bem, os sete samurais do filme têm todas essas características, mas também são seres humanos com história e sentimentos e enfrentam a miséria em uma época de provações terríveis.

Classes sociais em conflito

Akira Kurosawa compôs um painel social amplo de um Japão conturbado por guerras intermináveis e classes sociais em conflito. Temos os camponeses oprimidos pelos poderosos e atormentados por bandoleiros. Temos os samurais que vagueiam pelas vilas em busca de trabalho e, por fim, os bandoleiros que também não passam de miseráveis e vivem do saque. A história se passa no século XVI e começa quando um camponês flagra a conversa de um grupo de bandoleiros.

Eles planejam o ataque à aldeia do camponês assim que terminar a colheita, para que o saque seja mais proveitoso. Os pobres camponeses se reúnem para ver o que pode ser feito e decidem contratar os serviços de alguns samurais para protegê-los. O problema é que os lavradores são miseráveis e não têm como pagar pelos serviços. Depois de muitas dificuldades e peripécias, finalmente os camponeses conseguem trazer até a aldeia um grupo de sete samurais. Não é um grupo ideal, convenhamos, mas no calor da batalha é que se forjam os heróis. Um longo treinamento e uma dura batalha espera os camponeses que agora contam com proteção.

Os camponeses são miseráveis, mas ricos psicologicamente: o velho patriarca é cheio de astúcia; o jovem Rikichi é o líder que não se rende ao conformismo; o velho Manzo é o pai mesquinho que esconde a filha por medo de que os samurais a desonrem.  Cada samurai também tem muito a dizer.

Sete histórias, sete personalidades

Shimada é o líder. Homem desprendido e generoso, é um guerreiro experiente e líder astuto. É ele que monta a estratégia para a batalha. Kyuzo é um samurai litúrgico, austero, espadachim exímio, para quem ser samurai é um sacerdócio. Superar limites e executar missões impossíveis é com ele. Katsushiro é um rapaz inexperiente que tem veneração pelos samurais e quer a todo custo se tornar um deles. Só que para isso, ele precisa crescer e se tornar um homem. Kikuchiyo é um bufão ridicularizado por todos que tenta se unir ao grupo a todo custo. Para conquistar seu espaço ele tem que mostrar a que veio e precisa enfrentar seu passado obscuro e terrível.

É preciso pensar com uma cabeça oriental, para aproveitar o máximo que este filme têm a nos oferecer. É um filme com longos silêncios, com interpretações estilizadas e teatrais e fala sobre um universo estranho para os ocidentais. Quem no ocidente se preocupa com honra? Mas o shakespeariano Kurosawa tem a força: o enredo é envolvente e denso, as cenas de batalha são exuberantes, os personagens são complexos e a fotografia é magnífica. Tudo isso é universal e perfeitamente assimilável por um ocidental.

Os sete samurais é um filme sobre miséria extrema e nobres guerreiros desprezados. Na cena final, Akira compõe a última pintura viva do filme: os sete samurais aparecem juntos mais uma vez. Poderosa reflexão sobre vitória e derrota. Uma reflexão universal, mas com uma dimensão maior para o povo japonês que, em 1954, ainda se recompunha da derrota na Segunda Guerra Mundial.

Marcante

  • Kikuchiyo (Minfune) vestido com a armadura de um samurai morto fala aos outros seis tudo o que tem preso na garganta. Os ódios acumulados são postos na mesa. Momento mágico de Toshiro Mifune.
  • Os enquadramentos do filme são dignos dos grandes pintores muralistas. A cada cena, temos uma composição magnífica. Repare como Akira enquadra os samurais quando eles aparecem na mesma tomada.

Filmes

Crítica | Sete noivas para sete irmãos

Sete noivas, sete irmãos e diversão garantida

Seven brides for seven brothers
Direção de Stanley Donen
1954 : EUA : 102 min
Com Betty Carr e Howard Keel.
Música de Gene de Paul e Saul Chaplin
Coreografia de Michael Kidd

Em uma cabana nas montanhas do Oregon, nos tempos da colonização, sete irmãos solteiros levam uma vida simples e rude. Um belo dia, o irmão mais velho se casa e traz a mulher para morar no rancho da família. Isso põe em movimento os motores vitais dos outros seis irmãos que também decidem casar. Para tanto, contam com o auxílio da cunhada que tenta lhes ensinar boas maneiras.

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Crítica | Vidas amargas

O fim do Éden

East of Eden
Direção de Elia Kazan
1955 : EUA : 115 min
Com James Dean (Cal),
Julie Harris (Abra),
Raymond Massey (Abram) e
Jo Van Fleet (Kate).

Tudo em Vidas Amargas é repleto de significação, a começar pelo título original (East of Eden) que nos remete à história bíblica de Abel e Caim. Mas não pense em encontrar o bom e o mau irmão nos moldes bíblicos, porque nesse filme as fronteiras entre o bem e o mal são muito difusas,  como na vida real.

Vidas Amargas é um filme sobre conflito de gerações, mas que vai muito além disso. É uma obra densa com personagens complexos e outros temas estão lá: o impacto da tecnologia; a transformação que a guerra traz à vida de uma pequena comunidade; a solidão; a perda da inocência; o conflito entre alinhados e desajustados; entre formais e viscerais; entre certinhos e malandros; e por que não dizer: entre o bem e o mal.

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Crítica | A bolha

Gosmenta, asquerosa, trash e cult

The blob
Direção de Irvin S. Yeaworth Jr.
1958 : EUA : 86 min
Com Steve McQueen (Steve) e
Aneta Corsaut (Jane)
Tema de abertura de Burt Bacharach

Ela veio do espaço dentro de um meteorito e está crescendo sem parar graças a uma dieta rica em proteína humana. Nada parece detê-la: nem tiros, nem ácido, nem choque elétrico. O que será da humanidade? Seremos todos engolidos pela bolha grudenta? A bolha é o legítimo filme trash cult. A produção é precária, as performances dos atores são uma droga, os efeitos especiais são toscos e engraçados, os diálogos são repetitivos.

Do trash ao cult

Enfim, quanto mais você assiste mais problemas encontra no filme. Então por que assisti-lo? Acontece que ele tem aquelas as virtudes fundamentais do trash cult: parte de uma ideia engraçada e original; pretende arrancar gritos de horror da plateia, mas acaba tirando boas risadas; é ingênuo e despretensioso e reflete uma visão de mundo simples e romântica.

A bolha é mais uma produção americana da década de 1950 que mescla horror com ficção científica. Outros exemplos são Guerra dos Mundos (1953) e Plan 9 from outer space (1959). Nas décadas anteriores, o cinema americano ainda importava monstros europeus como Drácula e Frankenstein. A partir da década de 1950, a indústria cinematográfica começou a se interessar pelo público adolescente e era preciso buscar novos paradigmas.

Com a corrida espacial em curso, o terror começou a vir do espaço. Como sempre, o terror vem de fora. O medo americano sempre tem como causa algo absolutamente mau que chega de além das suas fronteiras e ameaça uma população honrada. Ok, não são apenas os americanos que agem assim, mas eles lideram a indústria cinematográfica mundial, então que aguentem a bronca.

Pensando bem é bom

Mas nem tudo em A bolha é primário. Há algumas particularidades no filme que o mantém vivo em nossa memória. Note como ninguém acredita naqueles adolescentes, que são tratados como arruaceiros. Observe o policial durão que pensa que ainda está na Segunda Guerra. Perceba como no final, as diferenças são superadas e todos se unem contra a maldita bolha comilona.

Esse filme já teve remake com melhor produção em 1988 (A bolha assassina), mas vale a pena assistir o original. Atenção para Steve McQueen em início de carreira e a música de abertura de Burt Bacharach, que não tem nada a ver com filme de terror, é um mambo. Ideal para os saudosistas dos anos dourados e para quem pensa em largar o chiclete.

Marcante

  • O velho eremita é o primeiro a ver o meteorito fumegante que caiu próximo à sua cabana. De repente, o meteorito racha como um ovo e aparece a pequena bolha no seu interior. Como em todo filme de terror que se presa, os idiotas curiosos morrem primeiro e o velho resolve cutucar a bolha com um graveto.

Filmes

Crítica | O vampiro da noite

O clássico B sobre o príncipe das trevas

Horror of Dracula
Direção de Terence Fisher
1958 : Inglaterra : 82 min
Com Peter Cushing (Van Helsing) e
Christopher Lee (Drácula)

Quase morri de medo ao ver esse filme pela primeira vez. Era uma noite fria de inverno e alguns galhos, agitados pelo vento, batiam contra a vidraça da sala. Pudera. Eu era criança e o filme passava em nossa TV preto e branco na sessão coruja. Quando voltei a esse clássico B, em pleno terceiro milênio, já não o achei assustador. Mudaram os filmes de terror ou mudei eu?

Terror à moda antiga

Horror of Dracula é um filme de vampiros à moda antiga. O melhor em sua categoria embora dispute cabeça a cabeça com o Drácula de 1931 estrelado pelo mítico Bela Lugosi. Nesse filme, o grandalhão inglês Christopher Lee encarnou pela primeira vez o Príncipe das Trevas. O sucesso foi tanto que a produtora Hammer Films fez outros sete filmes de Drácula com Lee. Peter Cushing, outro ícone do cinema de horror, faz mais uma dobradinha com Lee.

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