Gran Torino Direção de Clint Eastwood 2008 : EUA : 116 min Com Clint Eastwood (Walt Kowalski), Bee Vang (Thao), Ahney Her (Sue Lor) e Cristopher Carley (Padre Janovich)
Rabugento, é apelido. O nome é Sr. Kowalski, um polaco-descendente do meio oeste americano que diz o que pensa e, geralmente, pensa o que não devia dizer. O Sr. Kowalski, não o chamem de Walt, perdeu a esposa recentemente, não se dá com os filhos, noras e netos e só conversa amigavelmente com sua cadela labradora. Kowalski, entretanto, tem um Ford Gran Torino 1972 que ele mantém impecavelmente polido como se fosse extensão e metáfora de si mesmo.
Um muscle car como metáfora
Assim como o Sr. Kowalski, o Gran Torino é remanescente de uma época de ouro que se perdeu no passado. Kowalski combateu na Guerra de Coreia, mas seus netos nem sabem onde fica a Coreia. Ele trabalhou em uma montadora americana de automóveis onde instalou a coluna de direção de seu próprio Gran Torino, mas seu filho é vendedor de uma concessionária japonesa. O sr. Kowalski é o último branquelo aguado que restou no bairro decadente de Detroit em que mora, agora infestado por gangues de chicanos, negros e chinas. Para lembrar a todos que ali ainda mora um americano, ele mantem a bandeira dos EUA hasteada na varanda.
The treasure of Sierra Madre Direção de John Huston 1948 : EUA : 126 min : branco e preto Com Humphrey Bogart (Fred Dobbs), Tim Holt (Bob Curtin), Walter Huston (Howard) e Bruce Benett (Cody)
Garimpeiros são personagens marcantes da aventura humana. Dispostos às mais duras provações em nome da sorte grande, eles sempre estiveram na vanguarda da colonização. Predadores da natureza virgem, estabelecem o contato inicial com as culturas locais e como uma onda avançam pelas terras inexploradas, deixando um rastro de violência e depredação.
Assim foi, assim é. Não se pode dizer que são o tipo ideal de herói para filmes hollywoodianos. O diretor John Huston sabia disso, mas decidiu fazer um mergulho no lado sombrio da natureza humana contando a história de quatro garimpeiros e seu mundo.
Shichinin no samurai Direção de Akira Kurosawa 1954 : Japão : 206 min : branco e preto Com Takashi Shimura (Kambei Shimada), Toshiro Mifune (Kikuchiyo) e Seiji Miyaguchi (Kyuzo)
Aprendemos a ver os samurais como uma versão japonesa dos cavaleiros andantes, como guerreiros obcecados pela honra, pelo aperfeiçoamento de suas habilidades e imbuídos de nobres ideais. Assim como os cavaleiros andantes, os samurais tiveram seu tempo até que o mundo deles começou a desmoronar. Bem, os sete samurais do filme têm todas essas características, mas também são seres humanos com história e sentimentos e enfrentam a miséria em uma época de provações terríveis.
Classes sociais em conflito
Akira Kurosawa compôs um painel social amplo de um Japão conturbado por guerras intermináveis e classes sociais em conflito. Temos os camponeses oprimidos pelos poderosos e atormentados por bandoleiros. Temos os samurais que vagueiam pelas vilas em busca de trabalho e, por fim, os bandoleiros que também não passam de miseráveis e vivem do saque. A história se passa no século XVI e começa quando um camponês flagra a conversa de um grupo de bandoleiros.
Eles planejam o ataque à aldeia do camponês assim que terminar a colheita, para que o saque seja mais proveitoso. Os pobres camponeses se reúnem para ver o que pode ser feito e decidem contratar os serviços de alguns samurais para protegê-los. O problema é que os lavradores são miseráveis e não têm como pagar pelos serviços. Depois de muitas dificuldades e peripécias, finalmente os camponeses conseguem trazer até a aldeia um grupo de sete samurais. Não é um grupo ideal, convenhamos, mas no calor da batalha é que se forjam os heróis. Um longo treinamento e uma dura batalha espera os camponeses que agora contam com proteção.
Os camponeses são miseráveis, mas ricos psicologicamente: o velho patriarca é cheio de astúcia; o jovem Rikichi é o líder que não se rende ao conformismo; o velho Manzo é o pai mesquinho que esconde a filha por medo de que os samurais a desonrem. Cada samurai também tem muito a dizer.
Sete histórias, sete personalidades
Shimada é o líder. Homem desprendido e generoso, é um guerreiro experiente e líder astuto. É ele que monta a estratégia para a batalha. Kyuzo é um samurai litúrgico, austero, espadachim exímio, para quem ser samurai é um sacerdócio. Superar limites e executar missões impossíveis é com ele. Katsushiro é um rapaz inexperiente que tem veneração pelos samurais e quer a todo custo se tornar um deles. Só que para isso, ele precisa crescer e se tornar um homem. Kikuchiyo é um bufão ridicularizado por todos que tenta se unir ao grupo a todo custo. Para conquistar seu espaço ele tem que mostrar a que veio e precisa enfrentar seu passado obscuro e terrível.
É preciso pensar com uma cabeça oriental, para aproveitar o máximo que este filme têm a nos oferecer. É um filme com longos silêncios, com interpretações estilizadas e teatrais e fala sobre um universo estranho para os ocidentais. Quem no ocidente se preocupa com honra? Mas o shakespeariano Kurosawa tem a força: o enredo é envolvente e denso, as cenas de batalha são exuberantes, os personagens são complexos e a fotografia é magnífica. Tudo isso é universal e perfeitamente assimilável por um ocidental.
Os sete samurais é um filme sobre miséria extrema e nobres guerreiros desprezados. Na cena final, Akira compõe a última pintura viva do filme: os sete samurais aparecem juntos mais uma vez. Poderosa reflexão sobre vitória e derrota. Uma reflexão universal, mas com uma dimensão maior para o povo japonês que, em 1954, ainda se recompunha da derrota na Segunda Guerra Mundial.
Marcante
Kikuchiyo (Minfune) vestido com a armadura de um samurai morto fala aos outros seis tudo o que tem preso na garganta. Os ódios acumulados são postos na mesa. Momento mágico de Toshiro Mifune.
Os enquadramentos do filme são dignos dos grandes pintores muralistas. A cada cena, temos uma composição magnífica. Repare como Akira enquadra os samurais quando eles aparecem na mesma tomada.
The story of a murderer
Direção de Tom Tykwer
2006 : Alemanha: 147 min
Com Ben Wishaw (Jean-Baptiste Grenouille),
Dustin Hofmann (Giuseppe Baldini) e
Alan Rickman (Antoine Richs).
Toda vez que assisto O perfume fico encasquetado, o filme me incomoda, me provoca. Minha mente cartesiana de engenheiro quer interpretações claras, mas o filme tem seus mistérios, sua atmosfera simbólica que evoca impressões vagas como faria um perfume complexo.
Underground Direção de Emir Kusturica 1995 : França/Iugoslávia : 194 min Com Miki Manoljovic (Marko), Lasar Rostowski (Crni) e Mirjana Jokovki (Natalija).
A capa do DVD de Underground nos mostra uma imagem de extraordinária força: uma bela loira dança excitada em volta do canhão de um tanque de guerra. O poder das armas seduz e corrompe. Esta é apenas uma das muitas metáforas de Underground, filme que conta através do realismo fantástico a trajetória da antiga Iugoslávia, desde o período da invasão nazista na II Guerra Mundial até o seu esfacelamento no final do século XX.
História da Iugoslávia
Underground começa e termina em festa e no meio da farra acontecem as desgraças. Os personagens parecem conformados com essa promiscuidade entre alegria e tragédia e preferem se concentrar na festa do que dar atenção à tragédia. Emir Kusturica é ousado e abusado. Em dois momentos do filme o povo dos Bálcãs é representado por animais. Isso mesmo.
Na cena inicial que se passa no zoológico de Belgrado, os animais vivem em um mundo tranquilo, apesar das grades. São bem cuidados pelo tratador gago, mas de repente e do nada surgem aviões no ar que começam a despejar bombas na cabeça de todos. Alguns morrem no bombardeio, outros escapam de suas jaulas e saem vagando sem rumo pela cidade devastada. No final do filme, uma boiada surge nadando no meio do lago em busca de terra firme. Encontram abrigo em uma minúscula ilha que acaba de se desprender do continente. São os refugiados de uma guerra insana em um país que se fragmenta.