Crítica | Seven

O martírio como espetáculo

Se7en
Direção de David Fincher
1995 : EUA : 128 min
Com Morgan Freeman (Somerset),
Brad Pitt (Mills),
Gwyneth Paltrow (Tracy) e
Kevin Spacey

As cenas iniciais nos mostram o velho detetive Somerset se preparando para ir ao trabalho. A colcha impecavelmente alisada, os objetos pessoais alinhados sobre a cômoda. Um homem metódico e solitário, diferente de seu novo parceiro, o impetuoso e afoito Mills (Brad Pitt) que nunca desfaz o nó da gravata e vive em conflito com sua bela mulher (Gwyneth Paltrow).

Falta pouco para Somerset se aposentar e Mills está chegando à cidade grande disposto a conquistar espaço. O destino lhes reserva um caso difícil e logo surge uma aversão mútua entre os dois, no entanto, veremos que eles são opostos que se complementam: a experiência de um e o vigor do outro; o altruísmo do jovem e o ceticismo do velho; racionalidade de Somerset e a impulsividade de Mills.

filme de serial killer filosófico

Seven é um filme de serial killer, um gênero explorado à exaustão e que raramente vai além do entretenimento raso, mas David Fincher conseguiu fazer um filme denso e reflexivo que  parte das fórmulas de um gênero de massa para reinventá-lo. Para completar, o filme é entretenimento para colar o espectador na poltrona do começo ao fim.

Tipicamente, em filmes de serial killer o detetive deve usar da astúcia para garimpar provas e chegar ao criminoso que o desafia como se ambos estivessem disputando uma partida de xadrez. Em Seven, as coisas acontecem de forma diferente. A dupla de detetives encontra as pistas sutis deixadas pelo assassino e se aproxima dele aos poucos. No entanto, mal sabem os dois que tudo estava planejado na mente do serial killer. Para executar sua obra, o criminoso precisava da colaboração dos melhores policiais da corporação, caso contrário, seu espetáculo não seria grandioso.

Somerset é um homem desiludido com a podridão do mundo que enxerga no seu dia a dia de investigador. Está cansado e vê a aposentadoria próxima como única fuga possível de seu cotidiano repleto de morbidez. Ao mesmo tempo ele está incomodado com o fim da carreira, como se o seu tempo estivesse se esgotando antes de ele concluir o seu papel na comédia. Apesar do discurso cético, a prática de Somerset é correta e ética. Ele não se entrega à corrupção, não transgride o regulamento, age com a razão e segue princípios de retidão que não seriam esperados em um guerreiro esgotado.

Mills é um jovem promissor que chega à cidade grande ansioso para ser reconhecido. Ele encontra um Somerset pelo caminho que não está disposto a dar moleza ao novato arrogante. Afoito, Mills mete os pés pelas mãos em alguns momentos e não consegue lidar com as cobranças da mulher que quer ele mais próximo. Coisas da vida de policial e de todo profissional contemporâneo. Coragem, dedicação e energia não faltam ao jovem policial. O que lhe falta é o controle sobre as próprias emoções. O psicopata John Doe descobre esse ponto fraco e se aproveita dele para consumar seus planos.

John Doe é o serial killer. Não há problema em revelar seu nome porque ele só aparece em cena no final e seu nome real no filme é um mistério. Os produtores tomaram o cuidado de excluir o nome do ator que representa “João Ninguém” dos créditos iniciais do filme para creditá-lo em primeiro no final. John Doe aparece em cena nos minutos finais do filme, mas é o suficiente, pois as cenas em que ele atua são as mais densas e surpreendentes do filme. John Doe é um louco messiânico profundamente convicto de que seus atos têm um propósito maior. Age com frieza, é astuto, culto, calculista, manipulador. John Doe tem o carisma dos gênios fundamentalistas. É capaz de tudo, simplesmente tudo, para consumar o propósito que escolheu para sua vida. Talvez ele enxergue a si mesmo como um anjo vingador que veio ao mundo para ferir os maus com a espada de fogo da purificação. São sete os pecados capitais e sete são os castigos que John Doe quer infringir à sociedade decaída.

A fotografia e a ambientação de Seven é de um expressionismo requintado, típico de Fincher. Chove o tempo todo na metrópole do crime. Os ambientes são claustrofóbicos, mal iluminados, labirínticos. Há decadência em tudo. Os detetives buscam pistas com lanternas no meio de cômodos atulhados de simbologias macabras. Seven é mórbido, sombrio e noir como a mente de John Doe, como o desencanto de Somerset, como o destino de Mills.

Espetáculo cuidadosamente preparado

Confesso que na primeira vez em que assisti Seven não captei algumas mensagens que estavam lá. Tempos depois eu vi pela televisão a cobertura da chacina de um serial killer que matou muitos estudantes em uma escola americana antes de se matar. Então pensei: É isso. Seven é estupidamente real porque fala da chacina e do martírio como espetáculo. Os serial killers que saem matando pessoas ao acaso antes de serem abatidos ou de se matarem querem purificar o mundo pelo sangue.

Querem acabar com a podridão antes de acabarem consigo mesmo. E esperam fazer tudo isso criando espetáculo. O serial killer de Seven, por ser culto e genial, quis levar o espetáculo a um nível que jamais fosse superado. Para isso, estilizou a chacina, manipulou seus caçadores, levou a violência ao extremo da morbidez, como quem faz uma performance. Exatamente isso: concebeu seus sete assassinatos como obra de arte.

Marcante

  • As discussões entre Somerset e Mills. O cético e o altruísta, o velho e o novo, o racional e o emotivo.
  • O número sete é uma obsessão do filme que começa no título original, enxuto e centrado na quantidade pura. O sete cabalístico: sete pecados capitais, sete assassinatos planejados para que o desfecho macabro aconteça às sete horas da tarde.
  • A cena final. Surpreendente, chocante, filosófica, cruel.

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