Crítica | Underground – mentiras de guerra

O bom e o mau comunista

Underground
Direção de Emir Kusturica
1995 : França/Iugoslávia :  194 min
Com Miki Manoljovic (Marko),
Lasar Rostowski (Crni) e
Mirjana Jokovki (Natalija).

A capa do DVD de Underground nos mostra uma imagem de extraordinária força: uma bela loira dança excitada em volta do canhão de um tanque de guerra. O poder das armas seduz e corrompe. Esta é apenas uma das muitas metáforas de Underground, filme que conta através do realismo fantástico a trajetória da antiga Iugoslávia, desde o período da invasão nazista na II Guerra Mundial até o seu esfacelamento no final do século XX.

História da Iugoslávia

Underground começa e termina em festa e no meio da farra acontecem as desgraças. Os personagens parecem conformados com essa promiscuidade entre alegria e tragédia e preferem se concentrar na festa do que dar atenção à tragédia. Emir Kusturica é ousado e abusado. Em dois momentos do filme o povo dos Bálcãs é representado por animais. Isso mesmo.

Na cena inicial que se passa no zoológico de Belgrado, os animais vivem em um mundo tranquilo, apesar das grades. São bem cuidados pelo tratador gago, mas de repente e do nada surgem aviões no ar que começam a despejar bombas na cabeça de todos. Alguns morrem no bombardeio, outros escapam de suas jaulas e saem vagando sem rumo pela cidade devastada. No final do filme, uma boiada surge nadando no meio do lago em busca de terra firme. Encontram abrigo em uma minúscula ilha que acaba de se desprender do continente. São os refugiados de uma guerra insana em um país que se fragmenta.

Marko, Crni e Natalija formam o triângulo amoroso central da trama. Marko e Crni, embora muitos achem essa combinação improvável, são comunistas e bon vivants. Eles lutam na resistência contra os nazistas, mas adoram uma boa mesa e uma bela bunda. Esses dois grandes amigos unidos por uma causa vão trilhar caminhos distintos e disputarão o amor da mesma mulher: Natalija, que é atriz e não se apega a ideologias. Ora ela pende para o idealista, ora para os braços do oportunista, mas como gosta da boa vida está sempre mais próxima do oportunista. Será que essa é a imagem que Kusturica faz dos artistas do período comunista iugoslavo?

Em Underground, os combatentes da resistência são obrigados a se esconder em um porão para fugir dos nazistas. Somente Marko sai do porão e mantém o elo entre os moradores do subterrâneo e o mundo externo. Dentro do porão, os combatentes produzem armas e vão levando a vida do jeito que é possível em uma situação dessa natureza. Enfim, a guerra termina, mas Marko acha melhor não dar a boa notícia aos moradores do porão e os mantém na ilusão de que a guerra continua por longos 20 anos.

Guerra fria

Essa metáfora primorosa sintetiza o que Kusturica pensa do comunismo nos tempos da guerra fria. O regime comunista iugoslavo foi um porão onde a população viveu isolada da realidade, passando penúria e iludida pela mentira de que havia uma guerra em curso contra os fascistas do mundo. Dentro do porão as pessoas cresciam sem ver a luz do sol e sob o controle de uma propaganda que semeava o medo e esperanças vagas.

Marko e Crni representam os dois tipos de revolucionário segundo a visão desiludida do diretor. Crni é idealista, impetuoso, desprendido, mas ingênuo. Quando descobre que foi manipulado acaba se tornando um mercenário sem apego a nada. Marko é o revolucionário que chega ao poder e apodrece ele. Marko manipula a todos, usa a ingenuidade de Crni para atingir seus objetivos. No entanto, o sucesso político cobra um preço e Marko vive corroído pelo remorso de ter traído seus ideais.

O estilo exuberante de Underground pode não agradar a todos. Tudo no filme é hiperbólico: as interpretações são exageradas, a música e a confusão enchem a tela o tempo todo. É um filme para assistir várias vezes, pois as metáforas estão em todo lugar e uma ver vez não é o suficiente para descobrir a multiplicidade de sentidos que esse filme esconde. Ainda penso na última cena: os mortos ressurgem na minúscula ilha que acaba de se desprender do continente. Seria um novo começo para o povo dos Bálcãs? A paz só virá no outro mundo?

Marcante

  • No final do filme, na praça de uma cidade dos Bálcãs destruída pela guerra, vemos a estátua semi destruída do Cristo crucificado. A imagem do Cristo está de ponta cabeça e, ao pé da cruz, um homem chora enquanto à sua volta uma cadeira de rodas motorizada circula desgovernada e em chamas. É o reencontro dos ex-amigos no inferno sobre a Terra. Metáfora devastadora de uma guerra onde irmão mata irmão.

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