Crítica | Perfume – a história de um assassino

O perfume da alma humana

The story of a murderer
Direção de Tom Tykwer
2006 : Alemanha: 147 min
Com Ben Wishaw (Jean-Baptiste Grenouille),
Dustin Hofmann (Giuseppe Baldini) e
Alan Rickman (Antoine Richs).

Toda vez que assisto O perfume fico encasquetado, o filme me incomoda, me provoca. Minha mente cartesiana de engenheiro quer interpretações claras, mas o filme tem seus mistérios, sua atmosfera simbólica que evoca impressões vagas como faria um perfume complexo.

Infância trágica

O perfume nos conta a história de Jean-Baptiste Grenouille, um sinistro perfumista que teria vivido na França do século XVIII. Não há problema em revelar que Grenouille era um assassino, pois o filme começa com a leitura de sua sentença de morte. A capacidade dele para captar aromas era tão desenvolvida que se tornou a principal via, às vezes única, pela qual ele conhecia o mundo.

Sua incrível acuidade olfativa contrastava com uma ausência quase total de outras qualidades. O rapaz era basicamente o seu nariz e isso o transformou em um solitário excêntrico que deixava os outros perturbados. Por crueldade do destino Grenouille, dono do melhor olfato do mundo, nasceu em meio às vísceras do mercado do peixe de Paris. A vida de Grenouille foi marcada pelo sofrimento e pela rejeição, o que pode tê-lo deixado duro e insensível.

Grenouille cresceu em um orfanato miserável e ainda muito jovem foi vendido para trabalhar em um curtume. Apesar das provações, Grenouille parecia predestinado. Durante toda a infância e juventude, Jean-Baptiste viveu cercado pelos piores fedores, mas isso não era um problema para ele, porque seu objetivo era colecionar na memória todos os odores do mundo, independente de serem agradáveis ou fétidos.

O perfume perfeito

Só quando se tornou um jovem adulto, ao passar diante de uma perfumaria, Grenouille vislumbrou pela primeira vez a possibilidade de fazer arte com aromas. Paralelamente a isso, apaixonou-se pelo aroma de uma jovem. Isso mesmo, ele não amava pessoas, apenas aromas. Infelizmente, aromas são fugazes e somem no ar. Ao constatar que seu odor amado não podia ser retido, Grenouille ficou obcecado pela ideia de preservar os cheiros.

Com seus modos toscos, porém eficazes, Jean-Baptiste se aproximou do perfumista decadente Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman). Baldini percebeu o potencial do rapaz e se aproveitou dele para fazer novamente sucesso como perfumista. Grenouillle tornou-se aprendiz de Baldini, embora o mestre tivesse pouco a oferecer aos propósitos do rapaz.

Certa vez, Baldini contou a Jean-Baptiste a lenda da 13ª essência. O perfume perfeito seria composto por quatro essências de cabeça, quatro de corpo e quatro de fundo. Os egípcios teriam buscado a 13ª essência que daria o acabamento ao perfume tornando-o sublime, insuperável. A lenda ficou adormecida na cabeça de Grenouille para emergir mais tarde em versão sinistra quando ele estava na cidade de Grasse, capital dos perfumes na época.

Obsessão sinistra

Grenouille chegou a Grasse inconformado com a descoberta de que ele mesmo não tinha cheiro. Isso o levou a uma nova obsessão. Ele tinha que criar o perfume perfeito, capaz de inebriar as pessoas e deixá-las apaixonadas por quem o usasse.

Grenouille fez o que foi necessário e criou perfume perfeito porque tinha a obstinação dos gênios pela perfeição, mas também porque queria usá-lo em si mesmo. Como não sentia o próprio cheiro, queria para si o aroma mais sublime, mesmo que tivesse que roubá-lo de outras pessoas. Grenouille não hesitou em usar de todos os meios para alcançar seu objetivo. Quando conseguiu atingi-lo entendeu que o pequeno frasco lhe dava um poder assombroso que nenhum outro humano conseguira, um poder absoluto, mas fugaz, pois vinha de uma combinação de essências que simplesmente evaporava no ar.

Grenouille queria atingir a perfeição e seu compromisso era consigo mesmo, pouco lhe importava a visão dos outros. Grenouille queria o perfume para ganhar uma alma, para se tornar um ser humano e ser amado como os outros eram, experiência que ele desconhecia completamente.

Quando Grenoille concluiu o perfume viu que a poção tinha o poder de fazer os outros amá-lo, mas esse amor não era verdadeiro nem duradouro. O amor gerado pelo perfume era fugaz, artificial, forjado, pois as essências usadas eram de outras pessoas, não suas. Suas vítimas portavam as essências naturalmente, um dom concedido a elas, mas não a ele. No máximo, ele conseguiria imitar a natureza, poderia se disfarçar com a essência dos outros. Ele era o gênio capaz de memorizar todos os odores, sabia capturá-los, mas para isso tinha que roubá-los de quem os possuía por dádiva. Ele mesmo não tinha cheiro, talvez tivesse, mas não sentia e, em sua lógica, isso equivalia a não ter alma.

Depois de concluir sua obra, Grenouille caiu no vazio. Como um samurai que atinge a perfeição, Jean-Bapstiste não tinha mais objetivos a cumprir. Não lhe interessava o poder que o pequeno frasco podia lhe trazer. Por isso, optou pelo fim, ou seria um retorno ao começo? Grenouille partiu desse mundo em um gran finale junto com sua obra prima.

Reflexão

A pergunta que sempre faço quando assisto O perfume é se podem existir pessoas como Grenouille. Com relutância, concluo que sim. Sim, a genialidade pode levar ao isolamento e à solidão. A obsessão pode criar monstros. O remorso pode desaparecer da consciência de quem trilha caminhos estreitos e obscuros.

Sim, é difícil, senão impossível sentir o próprio cheiro, nem existe espelho que mostre a nossa própria imagem interior. O destino pode ser cruel ao colocar indivíduos superdotados no pior local do mundo para o florescimento de seu potencial. Quantos fanáticos cometeram atrocidades em nome de ideias supostamente perfeitas.

Filme x livro

O perfume é um filme misterioso e perturbador, tanto quanto o livro, clássico literário de Patrick Suskind. Stalney Kurbrick desistiu de dirigi-lo porque o considerou infilmável. O diretor Tom Tykwer aceitou o desafio. Não adianta elocubrar se o filme está à altura do livro. Livro é livro e filme é filme, mas vale a pena ler um e ver o outro para comparar. O filme condensa a obra por óbvias limitações de tempo, mas conservou sua essência.

O roteiro modifica um pouco a história, mas o resultado é bem interessante. Boa parte da força do filme é herdada do livro, com sua história fascinante e seus personagens únicos. Ben Whishaw é um ator shakesperiano que compôs um Grenouille convincente e múltiplo que nos desperta pena, desconfiança, admiração, medo, ódio, repulsa. O Grenouille do filme é deslumbrado, distante, submisso, obcecado, carente, ascético, frio, atormentado, determinado, indiferente, desiludido.

Quem sabe um dia o cinema reproduza odores, mas de que adiantaria se ninguém tem a sensibilidade aos aromas que Jean-Baptiste Grenoulle tinha?

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